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Opinião|Donald Trump, presidente

Para ampliar nossas relações econômicas e comerciais, teremos de pôr a casa em ordem

Atualização:

Donald Trump não é político e jamais ocupou nenhum cargo público. Um estranho no ninho tornado candidato, um outsider, venceu nas primárias 16 oponentes, políticos experientes, governadores e congressistas. Fazendo questão de não ser politicamente correto e criticando duramente o sistema político de Washington por não representar adequadamente os mais pobres, a campanha vitoriosa de Trump ajudou a manter o domínio republicano na Câmara e no Senado e vai permitir também o controle do Judiciário. Foi o único candidato a captar o sentimento de frustração dos trabalhadores, da classe média branca sem educação superior, afetados pela crise de 2008 e pela globalização, que concentrou a renda. Sua agenda populista, com forte dose de voluntarismo e personalismo temperamental, é, no essencial, a agenda conservadora do Partido Republicano: a defesa do comércio justo, o fair trade, em vez do livre-comércio. E que foca na aplicação da lei de imigração, em trazer de volta empregos para a economia americana, no não ao aborto e na expansão dos gastos de defesa. Há dois cenários para entender, em grandes linhas, as novas prioridades do governo que se inicia em 20 de janeiro: implementação das duras e agressivas promessas de campanha ou sua aplicação temperada pela limitação das realidades do poder. Ambas influenciadas pela personalidade e pelo estilo do presidente eleito. As primeiras indicações são de que o governo Trump vai apresentar mudanças profundas em relação ao ideário do Partido Democrata, mas adotará medidas pragmáticas e realistas, não ideológicas e radicais. Uma coisa é a campanha eleitoral, outra coisa é assumir o governo. Na política interna, as primeiras medidas buscarão reformar a legislação de imigração, com o aumento das deportações (2 milhões a 3 milhões) de imigrantes ilegais e condenados (traficantes de drogas e criminosos comuns); modificar as regras da previdência social; alterar a política econômica com medidas fiscais para apoiar o crescimento (redução de impostos, desregulamentação e investimento em infraestrutura) e, na política monetária, acelerar o aumento da taxa de juros. Em pauta também a modificação na legislação sobre política energética (uso do carvão, exploração do petróleo na costa leste e retomada da construção do oleoduto entre o Canadá e os EUA), além do combate ao terrorismo, com o extermínio do Estado Islâmico. Deverão ser seguidas ainda outras medidas que afetarão o establishment de Washington: restauração da segurança pública e do Estado de Direito constitucional (porte de armas); combate à corrupção e aos interesses especiais (relação com as grandes companhias e com Wall Street); congelamento na contratação de funcionários públicos, reforma do serviço público para permitir a demissão de pessoas incompetentes, corruptas ou que infrinjam a lei, estabelecimento de quarentena para que funcionários públicos possam sair do governo e passar a atuar como consultores do setor financeiro e industrial.  Na política externa, a tendência será o governo Trump ser mais isolacionista do que internacionalista, como ocorreria no caso de vitória de Hillary Clinton. Os interesses norte-americanos continuarão a ser preservados pela continuidade, sob muitos aspectos, da estratégia da política externa de Barack Obama. A segurança europeia deverá ser preservada com a manutenção da Otan, cujos membros terão de despender mais recursos para garantir a integridade da região. A China continuará como o principal foco de atenção de Washington. Os atuais focos de atrito poderão ampliar-se em consequência da política expansionista no Mar do Sul e do Leste da China, pela disputa territorial com o Japão, pela situação em Taiwan e pelas questões comerciais – dificilmente haverá aumento de tarifas nos produtos chineses – e pela possível mudança de posição no tocante ao Acordo de Paris sobre mudança de clima.  A Rússia deverá ter tratamento menos duro que com Obama e as sanções econômicas poderão ser atenuadas. Na Síria, poderá haver mudança de estratégia, pela qual os EUA, juntamente com a Rússia, focalizarão em primeiro lugar o fim do Estado Islâmico. A política de mudança de regime na Síria poderá passar para um segundo momento, quando se procurará pacificar o país com a saída do presidente Bashar Assad. No Iraque, a presença dos EUA deverá reduzir-se. Na Coreia do Norte, Washington buscará manter o apoio da China para acalmar Kim Jong-un. Com o Irã, o tratado sobre o programa nuclear deverá ser mantido por suas implicações geopolíticas na região, apesar das pressões de Israel. O conflito entre Israel e Palestina poderá vir a ser um dos pontos em que Trump queira deixar sua marca nos próximos anos. Em termos de comércio exterior, os acordos com o México e o Canadá deverão ser mantidos, com ajustes cosméticos, e o acordo EUA-Ásia, com o Japão e países asiáticos e latino-americanos do Pacífico, ficará congelado por algum tempo, mas será eventualmente examinado e aprovado pelo Congresso em razão do interesse das empresas norte-americanas. E o Brasil?  Se a política econômica de Trump for aplicada equivocadamente e vier a provocar uma recessão global e a desaceleração da economia americana, o Brasil será atingido indiretamente, o que dificultará a recuperação da economia brasileira. Imigrantes brasileiros ilegais poderão ser expulsos e alguns produtos de exportação poderão ser afetados. Os vistos continuarão a ser limitados. No mais, nada mudará, porque, em termos de política externa, a América do Sul e o Brasil não têm prioridade na agenda dos EUA. Se quisermos ampliar nossas relações econômicas e comerciais com Washington, teremos de pôr a casa em ordem, aprovar as reformas estruturais, reduzir o desemprego e voltar a crescer com ampliação da segurança jurídica para os investidores internos e externos.

*Presidente do conselho de comércio exterior da Fiesp