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Opinião|É preciso trazer propostas à mesa

Atualização:

Com o panorama assustador de notícias nos processos que investigam corrupção na Petrobrás - e suas ligações com o cartel das maiores empreiteiras do País - e diante da perspectiva de que ainda estamos longe de eleições para o Executivo e o Legislativo em seus níveis mais altos, cabem muitas perguntas, entre elas: que fará o poder institucional, já que em princípio caberia a ele a iniciativa de novos rumos, mas são parte dele algumas das figuras mais importantes envolvidas nos escândalos? Como se fará para que haja definição para muitas questões importantes para o País, que até aqui têm dependido das conveniências desse cartel, e não das necessidades sociais - lembrando que o cartel é o maior financiador de campanhas eleitorais? Como se comportará o poder diante do previsível acirramento de manifestações populares, pois as eleições estarão distantes? Nessas circunstâncias, como serão os próximos anos? Segundo o noticiário, o faturamento de nove empresas apontadas nas investigações da Operação Lava Jato foi, em 2013, de pelo menos R$ 33 bilhões - quase metade em contratos com o poder público - e elas contribuíram com pelo menos R$ 218 milhões para "candidatos e comitês eleitorais" (O Globo, 16/11). Até aqui, a informação é de que o ministro Dias Toffoli diz pretender discutir com o Congresso regras para doações eleitorais dessas empresas e seus limites (Folha de S.Paulo, 1.º/11). Mas como se fará, se senadores eleitos arrecadaram em 2010 pelo menos R$ 274 milhões e R$ 124 milhões em 2014 (Estado, 6/11); se deputados eleitos arrecadaram R$ 721,3 milhões - e algumas das empresas que mais doaram estão entre as investigadas na Lava Jato? E ainda recentemente (Folha de S.Paulo, 23/10) a Câmara dos Deputados aprovou anistia parcial para dívidas de condenados por ilegalidades no uso de recursos públicos. Só a Advocacia-Geral da União em 2013 moveu 2.100 processos cobrando R$ 1 bilhão por desvios e multas. Desde 2009, são R$ 6,6 bilhões. Seria menos complicado se não vivêssemos uma conjuntura também difícil em termos globais. Mikhail Gorbachev, o experiente dirigente russo, tem alertado para o fato de que nunca tivemos uma situação tão perigosa desde o fim da guerra fria. O panorama econômico não é menos inquietante, tanto que o secretário do Tesouro norte-americano, Jacob Lew, tem alertado que a Europa corre risco de ter uma década perdida em matéria de crescimento econômico (Estado, 13/11). Não seria exagero nos incluirmos entre os preocupados na área econômica. Afinal, o produto interno bruto (PIB) brasileiro subiu apenas 0,6% no terceiro trimestre deste ano - e ainda foi uma boa notícia. Bancos projetam para o ano crescimento de apenas 0,21% e de 0,8% para 2015 (FP, 18/11). Com um complicador preocupante: taxas menores de população ocupada. Em outubro foram cortadas 30.283 vagas para trabalhadores. Mesmo na área de exportações há motivos para nos inquietarmos - pois estaríamos em dificuldades ainda maiores se o agronegócio não estivesse respondendo por 43,7% das vendas ao exterior. Em um ano (outubro de 2013 a setembro de 2014) foram US$ 97,8 bilhões; de janeiro a setembro deste ano, US$ 75,9 bilhões. Mas com pressões externas - decorrentes de problemas lá fora - já se refletindo nas cotações e com o País voltando a velhos tempos de depender fortemente da exportação de produtos primários, que têm seus termos regulados principalmente pela conveniência dos países industrializados importadores. Nem é o caso de questionar as formas vigentes hoje de igualar os conceitos de desenvolvimento apenas com o crescimento econômico. É preciso muito mais, novos formatos de viver e de produzir. Nessa hipótese, o Brasil poderia ter situação privilegiada no mundo, com a fartura em território, recursos naturais, biodiversidade, possibilidade de formatos de energia renovável (hidreletricidade, eólica, solar, de biomassas, de marés, de microgeração localizada e consumida próxima às fontes, sem desperdício em linhas de transmissão). Seria possível, ainda, tratar da situação de investimentos públicos, da dívida do País, de aplicações insuficientes em ciência e tecnologia, de muitas preocupações. Melhor, entretanto, interrogar onde estão as saídas. Parece indiscutível que não podemos seguir nas trilhas de hoje. E, embora se fale em "reformas políticas" tanto no Executivo como no Legislativo, as propostas não se desviam das velhas sendas. Pode-se, entretanto, optar pela proposta de Fernão Lara Mesquita, escrita nesta página (12/11), quando sugere redefinir a relação dos cidadãos com os representantes eleitos - começando pelo voto distrital. Propõe também o chamado "recall", em que o cidadão possa manifestar-se sobre a aprovação - ou não - do candidato em que votou no seu distrito. Pergunta ele: "Você é a favor do direito de retomada - a qualquer momento - do mandato atribuído a seu representante eleito por votação distrital?" - ou seja, do direito de recall? A partir daí, teria de mudar a relação dos eleitos com a sociedade, porque eles teriam de prestar contas a qualquer momento. Um novo mandato dependeria do desempenho aprovado ou desaprovado. Também seria indispensável uma mudança radical na propaganda eleitoral, em que, hoje, o fator financeiro é decisivo. O autor destas linhas já testemunhou, algumas décadas atrás, dias de eleição em Paris, onde não se via uma só faixa, um só cartaz ou banner, propaganda nenhuma na TV, no rádio ou em jornais. Tudo dependia da relação permanente e direta do candidato com o eleitor, em que este era informado sempre do que fizera seu representante ou candidato. Aqui também podemos mudar. Mas é preciso que a sociedade se organize, que suas representações (instituições de professores, engenheiros, advogados, médicos, jornalistas, etc.) se organizem e tragam as propostas à mesa. Sem perder mais tempo. *Washington Novaes é jornalista. E-mail: wlrnovaes@uol.com.br 

Opinião por Washington Novaes