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E tudo para quê?

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Por Redação
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O pior é a futilidade da violência. Na virada de 2008 para 2009, Israel invadiu a Faixa de Gaza para erradicar "a infraestrutura do terror" do Hamas, que atingia o sul do país com os seus foguetes. A brutal operação custou a vida de 1.300 palestinos - 100 para cada soldado israelense morto. Passados perto de quatro anos e alvo de nova ofensiva que já fez mais de uma centena de vítimas fatais, o Hamas está mais forte política e militarmente. O líder da Autoridade Palestina (AP) que controla a Cisjordânia, Mahmoud Abbas, de 77 anos, apoiado pelo Ocidente, é uma figura desmoralizada, em boa medida pela recusa do governo israelense chefiado pelo direitista Binyamin Netanyahu de sustar a expansão das colônias judaicas nos territórios ocupados. Essa é uma condição óbvia para a retomada das negociações entre as partes com vistas à criação do Estado palestino e à paz no Oriente Médio.Semanas atrás, por sinal, Abbas inflamou os sentimentos de seus compatriotas ao reconhecer numa entrevista a uma emissora israelense de TV que não voltará a viver na sua cidade natal, Safed, que faz parte de Israel desde a primeira guerra com os árabes, em 1948. A resignada constatação soou como renúncia ao "direito de retorno" da diáspora palestina, embora se trate sabidamente de uma palavra de ordem antes simbólica do que realista. Uma parcela indeterminada da população de Gaza não aprecia propriamente viver sob a ditadura fundamentalista do Hamas, mas é inegável que, para a maioria dos palestinos, a organização desbancou o Fatah de Abbas como principal fonte de resistência ao jugo de Israel. O seu desprestígio pode ser avaliado pela exclusão da Autoridade Palestina das conversações no Cairo por um cessar-fogo na região - que entrou em vigor na quarta-feira à noite -, ainda que a secretária de Estado americana, Hillary Clinton, fizesse menção de ir ao encontro de Abbas em Ramallah, sede da AP, entre uma reunião e outra com Netanyahu.Além do realinhamento de forças entre os palestinos, o que propeliu politicamente o Hamas foi o mais importante resultado da Primavera Árabe - a vitória da Irmandade Muçulmana nas primeiras eleições presidenciais e parlamentares livres na história do Egito. Criado em 1987, o Hamas, ou Movimento de Resistência Islâmica, é o seu ramo palestino. Antes de conquistar a chefia do governo egípcio, Mohamed Morsi era conhecido por seus pronunciamentos em favor dos radicais palestinos. Mesmo tendo em seguida moderado a sua oratória, como convém ao presidente de um país que recebe US$ 1 bilhão por ano em ajuda militar dos EUA e onde as Forças Armadas adversas ao islamitas ainda controlam o Estado, Morsi enviou a Gaza o seu primeiro-ministro tão logo começaram os bombardeios israelenses, denunciou a "agressão" e se reuniu com o número um do Hamas, Khaled Meshaal. Em 2008, o ditador Hosni Mubarak assumiu a mediação entre Israel e o Hamas, sem condenar a invasão. Agora, Morsi adverte que "jamais poderemos aceitar" outro ataque por terra.Militarmente, enfim, o Hamas também se fortaleceu. Há uma semana, quando Gaza começou a ser bombardeada, o arsenal da organização continha, segundo estimativas israelenses, 11 mil foguetes. Os seus mais novos fornecedores são os seus adeptos no governo líbio, juntando-se ao Hezbollah libanês e ao Irã. Embora a maioria dos 800 projéteis já lançados cause apenas danos materiais, pela primeira vez caíram nas cercanias de Tel-Aviv e Jerusalém. Pode-se apenas especular por que o Hamas continuava a fustigar Israel enquanto negociava, por intermédio do Egito, um cessar-fogo de longo prazo. As tratativas tinham o aval do chefe militar da organização, Ahmed Jabari. Na quarta-feira, ele foi assassinado por um míssil israelense que atingiu o seu carro.Netanyahu, por sua vez, alega que o Hamas não lhe deixou alternativa se não retaliar - sintomaticamente a dois meses das eleições nacionais. E tudo para quê? Nem Israel nem os seus inimigos deixarão de existir. E, com o colapso da razão, o sangue continuará a correr de ambos os lados da fronteira do rancor que compartilham.