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Opinião|Ensino médio, múltiplas portas

O mergulho na vida digital impõe formas de instigar a curiosidade intelectual do jovem

Atualização:

Um dos raros consensos no universo educacional é o de que o chamado ensino médio precisa ser urgentemente revisitado. As crianças assimilam um currículo de cuja elaboração, naturalmente, não participaram, mas o jovem não aceita a transmissão de conhecimento na modalidade presente. São 13 disciplinas ou mais, em compartimentos estanques. Não há diálogo entre elas. Mas o principal defeito do sistema é o seu quase total alheamento da realidade. Não se consegue mostrar ao aluno que o acervo de informações ministrado em sala de aula tenha utilidade prática para uma vida futura muito diferente. Menos ainda interessá-lo a memorizar dados disponíveis em qualquer “móbile”.

Ingressou-se numa nova era: a crescente conectividade das tecnologias de comunicação e informação, a inteligência artificial, a internet das coisas, a robótica, a nanotecnologia. Mas as aulas continuam idênticas às de várias décadas passadas. Há quem diga que, em termos de escola, fazemos o mesmo há séculos.

Até iniciativas saudáveis, como a adoção de um currículo mínimo, esbarram na inércia. O padrão é replicado ano a ano e insiste-se na produção exclusiva de material em papel, quando a inserção no mundo virtual permitiria explorar potencialidades hoje apenas pressentidas. Só que o jovem tem a nítida percepção de que o sistema está equivocado. A resposta é a fuga da escola. A evasão no ensino médio é preocupante. Classes ociosas ou semivazias e barzinhos e baladas repletos de jovens que mostram estar ali por não encontrarem nas aulas a resposta para os desafios de hoje e, principalmente, do amanhã.

Quando se constata que a indústria brasileira não se preparou para a quarta revolução industrial, continua a produzir insumos, maquinário e ferramentas para um tipo de empresa que já não existe, pode-se compreender a dimensão do drama. O cardápio de profissões que a escola oferece ao jovem não existirá dentro em pouco. Enquanto isso, o que ele deverá fazer para subsistir com dignidade ainda não tem sequer nome.

Como não há progresso por salto, e obrigatório é o percurso das etapas essenciais à recuperação do tempo perdido, a urgência impõe reflexão consistente da parte de toda a inteligência brasileira.

Reitere-se o mantra adotado a partir do meu contato pessoal com o ensino público paulista: a educação é direito de todos, prodigalizado na cornucópia de bens da vida assegurados pela Constituição cidadã de 1988. Mas esse direito de todos não é obrigação exclusiva do Estado. É dever compartilhado com a família e com a sociedade. Explícita a opção fundante do artigo 205 da Carta política.

O Estado de São Paulo investe cerca de 30% de seu orçamento - 30% do orçamento do Estado-membro considerado o mais poderoso em termos econômicos em todo o Brasil - na escola pública. Ainda assim, os resultados poderiam e devem ser melhores se houver aproximação familiar e da sociedade e seu autêntico interesse em aperfeiçoar a formação das novas gerações.

O primeiro objetivo é tornar a escola sedutora. Atraente. Interessante. Por que a geração “nem-nem” persiste em sua opção pelo nada? Não estuda porque a escola é desinteressante e aborrecida. Não trabalha porque não encontra algo que o satisfaça como indivíduo desperto para o mundo novo. O “mundo maravilha” de algumas excelentes campanhas publicitárias, em confronto com o “mundo vazio” da vida real.

O mergulho irreversível na vida digital impõe a adoção de todas as fórmulas para instigar a curiosidade intelectual do jovem. Não é substituir pela máquina, pela tecnologia, aquilo que está condicionado a um impulso vital: a vontade de conhecer. Mas é servir-se das possibilidades abertas por esta profunda mutação para alicerçar uma busca mais consciente e direcionada do conhecimento. Nunca houve tanta possibilidade de acessar a sabedoria amealhada pelo ser humano neste sofrido planeta. Afirma-se que a cada 18 meses dobra a quantidade de informações disponíveis. Há um tesouro incalculável a permitir que o nosso jovem - bem orientado, mas a partir de sua determinação - seja um sábio muito mais completo do que qualquer figura legendária da História Universal.

Todos são chamados a implementar uma nova tática para despertar o interesse da mocidade pelo estudo. A família é motor insubstituível. Mãe que participa da vida escolar do filho é um fator de aceleração no processo permanente de absorção do domínio de qualquer assunto. A proximidade familiar da escola alicerça os seus sólidos fundamentos de centro de irradiação de tudo o que é bom para converter a sociedade numa comunidade de interesses sadios.

A sociedade tem papel relevante. Empresas, bancos, entidades, organizações não governamentais, comércio e serviços, igrejas, clubes, associações e pessoas físicas com vontade de mudar o Brasil. Todos são chamados a pensar e a agir. Oferecer oportunidades ao jovem estudante. Propiciar-lhe, se ele estiver no ensino regular, um turno extra com atividades práticas. Incentivá-lo a pensar como se enxerga daqui a 20 anos. O que fará de sua vida? Quais as opções que gostaria que fossem oferecidas para o seu porvir?

Há muito a ser feito. Algo já se faz, mas é preciso mais. Pois a messe é grande. É urgente a multiplicação de obreiros. Acaso o convite do constituinte se mostre insuficiente a motivar consciências ainda empedernidas, que fique a advertência de que a alternativa - deixar as coisas como estão - é nefasta. Quando os bons não fazem a sua parte, o mal cuida de ocupar esse vácuo. Há sinais de que ele pode avançar, até porque se apropriou de virtudes que o bem negligenciou. Disciplina, esforço, sacrifício, hierarquia, obediência, pontualidade, assiduidade, tudo isso a serviço de causas alimentadas por aquilo que não deveria existir na cogitação dos humanos. Paradoxo para as criaturas que se consideram a única espécie racional com morada nesta Terra.

* SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO

Opinião por José Renato Nalini