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Essa conta não é da União

Em comparação com outros Estados, o Rio de Janeiro teve, ao longo dos últimos 15 anos, generosas receitas extraordinárias, especialmente pelos royalties do petróleo

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Por Redação
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A engenhosa operação envolvendo a Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae), do Rio de Janeiro, e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) revela a dimensão da irresponsabilidade fiscal do governo fluminense tanto no que diz respeito ao rombo criado em suas contas públicas como na incapacidade de arcar com as consequências de suas decisões, forçando a União a intervir num problema que, a rigor, não é dela.

Em comparação com outros Estados, o Rio de Janeiro teve, ao longo dos últimos 15 anos, generosas receitas extraordinárias, especialmente pelos royalties do petróleo e, mais recentemente, por ocasião da Olimpíada Rio 2016. Aquilo que deveria ser favorável não apenas foi desperdiçado, como se transformou em verdadeira maldição. Apoiando-se nas receitas extraordinárias, que, como se sabe, não perduram ao longo do tempo, os governos estaduais do Rio aumentaram irresponsavelmente os seus gastos, em todas as esferas. No funcionalismo estadual, além da criação de novos postos de trabalho, houve seguidos aumentos de salário, acima da média nacional.

A redução do preço do petróleo no mercado internacional interrompeu esses tempos de bonança, pondo as receitas dos royalties noutro patamar, bem inferior ao que o governo estadual fluminense havia se acostumado a auferir. Além disso, sobreveio a crise econômica causada pela imprevidência da presidente Dilma Rousseff, que afetou as receitas públicas em todos os níveis de governo. Não houve situação fácil para nenhum ente federativo, mas o Estado do Rio de Janeiro, por força de seus próprios atos, viu-se em situação periclitante, chegando a decretar estado de calamidade pública em razão da completa deterioração de suas finanças.

Além de gravíssimo, o problema das finanças do Estado do Rio de Janeiro é de difícil resolução. Se diminuir os gastos públicos nunca é simples, a tarefa torna-se especialmente árdua quando o elevado patamar das despesas foi alcançado à base de compromissos pouco flexíveis, como é o caso do inchaço da máquina pública. A gravidade da situação não legitima, porém, que se transfira o problema para a União. Tal constatação que deveria ser óbvia, pois um adequado funcionamento da autonomia federativa exige a correspondente responsabilidade de cada ente federativo, vem encontrando inusitadas resistências.

No início do ano, houve a espantosa liminar da ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), que, não obstante reconhecer a plena validade de um acordo entre a União e o Rio de Janeiro, impediu que o governo federal executasse determinadas garantias contratuais. Num só ato, a ministra Cármen Lúcia conseguiu promover a insegurança jurídica e consagrar a irresponsabilidade fiscal do Estado do Rio.

Agora, mais uma vez, a União dispõe-se a ajudar o Estado do Rio. Para aliviar seu caixa, o governo estadual deseja privatizar a Cedae. Como o aperto financeiro é grande, não seria possível esperar a privatização, que poderia demorar dois anos para ser concluída. Como solução, aventa-se a possibilidade de o BNDES comprar imediatamente a Cedae para o Estado do Rio obter um momentâneo alívio financeiro. Depois, o banco revenderia a empresa, fazendo o acerto da diferença com o governo estadual. A ideia é apresentada como solução salomônica – ajuda-se o Rio de Janeiro e ninguém sai prejudicado.

É ilusão achar que uma medida assim, como a compra da Cedae pelo BNDES, não prejudica ninguém. Em primeiro lugar, afeta a capacidade financeira do banco de fomento, que, por missão institucional, deveria financiar outros empreendimentos prioritários para a reconstrução nacional, do que ter de adiantar dinheiro para cobrir irresponsabilidades estaduais. Depois, é um tremendo mau exemplo a outros Estados e municípios, como se Brasília fosse a solução para gastanças desenfreadas. Com soluções desse tipo, tem-se uma vez mais o estranho fenômeno de todos terem de pagar pela irresponsabilidade de alguns.