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Esvaziando prisões

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Por Redação
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Sancionada pela presidente Dilma Rousseff no final de maio, depois de tramitar por dez anos no Congresso, a Lei n.º 12.403/11 entra em vigor hoje. Defendida pelo Executivo, que administra o sistema prisional, e criticada por promotores e juízes criminais, ela altera dispositivos importantes do velho Código de Processo Penal (CPP), que foi editado há mais de sete décadas, quando eram outras as condições sociais e econômicas do País. Entre outras inovações, a Lei n.º 12.403/11 estabelece novos critérios para o cálculo de fianças e dá aos juízes criminais competência para proibir que pessoas com histórico de brigas frequentem bares, boates e estádios de futebol ou viajem. A lei também permite que os mandados de prisão sejam cumpridos em qualquer lugar do País - pelas regras em vigor só podem ser cumpridos na comarca do juiz ou por carta precatória - e torna obrigatória a separação de presos já condenados daqueles que aguardam julgamento. Os dispositivos mais polêmicos da Lei n.º 12.403/11 são os que eximem de prisão temporária os autores de crimes com baixo poder ofensivo, como lesão corporal, furto, receptação, formação de quadrilha, contrabando, peculato, extorsão, apropriação indébita e desvio de dinheiro público. A lei prevê que a prisão preventiva só poderá ser aplicada a réus acusados de crimes dolosos, com penas superiores a quatro anos - como homicídio qualificado, latrocínio, estupro e narcotráfico. Nos crimes com penas inferiores a quatro anos, os juízes deverão adotar as chamadas medidas cautelares, como comparecimento periódico ao fórum, proibição de se ausentar da comarca, fiscalização eletrônica e internamento em clínicas. Para as autoridades de segurança pública e gestores do sistema prisional, a ampliação de alternativas para a prisão preventiva evitará que réus primários convivam, em prisões superlotadas, com presos de alta periculosidade. "Atualmente, o risco de jogar na cadeia alguém que cometeu um deslize é alto", diz o secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Marivaldo Pereira. "A nova lei vai punir a pessoa de forma equivalente ao crime que cometeu. Às vezes, o suspeito furtava um pacote de linguiça, o delegado tinha de fazer o flagrante e o sujeito ficava na cadeia por não ter advogado", afirma o delegado-geral da Polícia Civil de São Paulo, Marcos Carneiro Lima. Os defensores da Lei n.º 12.403/11 também alegam que as novas medidas alternativas à prisão preventiva vão aliviar a lotação das cadeias públicas e dos centros de triagem e detenção, uma vez que concedem a dezenas de milhares de pessoas que hoje se encontram presas o direito de aguardar o julgamento em liberdade. Pelas estimativas do Departamento Penitenciário Nacional, o sistema prisional tem um déficit de 180 mil vagas e, das 450 mil pessoas encarceradas, 44% se encontram em prisão provisória. Para muitos promotores e juízes criminais, contudo, com a entrada em vigor da Lei n.º 12.403/11 o Brasil estaria na contramão da história, pois a maioria dos países vem adotando leis mais severas para combater a criminalidade. Eles também afirmam que a lei comprometerá a segurança pública. Tendo sido concebida com o objetivo de diminuir os gastos do Executivo com o sistema prisional e reduzir as pressões para a construção de novos estabelecimentos penais, ela vai devolver às ruas cerca de 100 mil presos nas próximas semanas - e, como a taxa de reincidência criminal no País se situa em torno de 70%, isso pode aumentar a violência, além de reforçar o sentimento de impunidade. "A pessoa que é presa e colocada imediatamente em liberdade desacredita o trabalho da polícia", diz Marcelo Rovere, promotor do 1.º Tribunal do Júri da capital. A modernização do CPP era uma antiga aspiração do Ministério Público e da Justiça - e muitas foram as sugestões encaminhadas pelas duas instituições ao Legislativo, durante a tramitação do projeto que resultou na Lei n.º 12.403/11. Infelizmente, o viés econômico acabou prevalecendo, por causa das pressões do Executivo, e os riscos que a nova lei pode trazer para a segurança da população não devem ser subestimados.