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Exibe-se o quinto poder

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Por Redação
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A liberdade de imprensa não corre risco no Brasil - e temos autoridade histórica para o afirmar. Interpretando com precisão e proficiência o repúdio à censura consignado na Constituição, especialmente nos artigos 5º, IV e XIV, e 220, parágrafos 1º e 2º - com ênfase, aliás, muito maior do que a das democracias que nunca sofreram os tacões censórios das ditaduras, como os que tivemos de suportar -, o Poder Judiciário, notadamente em seus Tribunais Superiores, tem fulminado as tentativas de retrocesso à censura prévia, própria dos sombrios tempos do autoritarismo. Ao revogar, recentemente, um diploma legal típico da ditadura como foi a Lei de Imprensa, por decisões já proferidas em recursos nos tribunais e até pela manifestação da opinião jurídica de ministros do Supremo, o Poder Judiciário tem dado sobejas demonstrações de que está alinhado na defesa de um princípio fundamental dos regimes democráticos. Vale dizer, a defesa da liberdade de imprensa - no que até o legítimo direito de informar, de jornalistas e veículos de comunicação, é suplantado pelo direito que tem a sociedade de ser informada. Não obstante, por decisão monocrática de desembargador da 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, não foi acolhido pedido de liminar em mandado de segurança impetrado por este jornal contra decisão de outro desembargador do mesmo tribunal, proibindo o Estado de divulgar reportagens sobre a Operação Boi Barrica, da Polícia Federal, que envolve Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney. Este último juiz, apesar de suas notórias relações com alguns envolvidos no escândalo, se declarou apto a julgar com isenção. O outro magistrado, invocando prudência, deixou para deliberar acerca do mandado apenas depois que receber informações do colega que censurou o jornal e parecer da Procuradoria de Justiça. Independentemente do que diga ser ou não "prudência" a consciência de cada um e apesar de essa decisão judicial ainda nos deixar sob o espúrio estado de censura imposto desde 30 de julho, temos certeza de que a Justiça assegurará a liberdade de imprensa, que é exigência constitucional e ínsita à democracia reconquistada pelos brasileiros, razão pela qual recorremos das infaustas decisões em questão, considerando-as mais um acidente - ainda que grave, pelas circunstâncias que o cercam - de percurso na consolidação do Estado Democrático de Direito no País. O que é grave nesse episódio é que ele é indissociável de todo um processo de influência espúria, que extravasa de Poderes da República para asfixiar não só o corpo político da Nação, como as suas formas mais independentes de opinião e expressão. Sempre se falou de um quarto poder nas democracias, representado pela imprensa. Mas agora já se tem de falar de um quinto poder que, incrustado nas instituições da democracia, ameaça desfigurá-las: o poder da corrupção institucionalizada, que com seus tentáculos abrangentes vai tomando conta da vida pública nacional, sem que a sociedade brasileira - pelo menos até agora - tenha encontrado forças para deles se defender. Quando o chefe de Estado faz a absolvição prévia de pessoas públicas - inclusive de dirigente de Poder - envolvidas em "tenebrosas transações" (para usar expressão do compositor popular) e quando senadores se dispõem a fazer os acordos mais degradantes, para se anistiarem reciprocamente pelos muitos desrespeitos que praticaram à lei, à cidadania, ao erário, aos bons costumes e aos princípios éticos, sobem, instalam-se e se exibem no pódio do opróbrio os representantes do quinto poder. Quando desembargadores do Tribunal de Justiça do Distrito Federal privam o Estado de armas legítimas que vinha usando na sua luta para deter esse processo de decomposição moral dos Poderes Legislativo e Executivo, é como se, afinal, prevalecesse o "conselho" do presidente da República sobre o tratamento especial que merecem os corruptos que "têm biografia". Mas a liberdade de imprensa, insistimos, não corre riscos. A sociedade brasileira, que apoia uma mídia independente, forte e democrática - e nela, por sua vez, encontra forças para repelir os assaltos do quinto poder -, vai consolidando sua maioridade política, econômica e social, num processo irreversível. Sabe que o papel da imprensa é fundamental para a preservação das liberdades, quando muitas instituições do Estado se desviam de suas verdadeiras finalidades.