Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Falando para o eleitorado

Exclusivo para assinantes
Por Redação
2 min de leitura

O assertivo protesto da presidente Dilma Rousseff, na abertura da Assembleia-Geral da ONU, contra a rede global de espionagem eletrônica tecida pela Agência Nacional de Segurança (NSA) dos Estados Unidos foi a resposta que lhe cabia dar, até mesmo na condição de chefe de Estado que foi pessoalmente monitorada pelo megaesquema de bisbilhotice. Ela arrolou os alvos brasileiros do que chamou apropriadamente de "intrusão", ressaltou a "afronta" que isso representa aos princípios que devem reger as relações entre países soberanos, "sobretudo entre nações amigas", e contestou a alegação americana de que a defesa contra o terrorismo - "as preocupações legítimas de segurança de nossos cidadãos e aliados", enfatizaria em seguida o presidente Barack Obama - é a meta única dos "mecanismos pelos quais reunimos inteligência", ainda nas suas palavras. "O Brasil", apontou Dilma, "repudia, combate e não dá abrigo a grupos terroristas."Registrados o agravo e a citação nominal do "governo norte-americano", de quem o Planalto exigiu "explicações, desculpas e garantias de que tais procedimentos não se repetirão", a presidente não há de alimentar falsas esperanças sobre o controle de uma atividade que precede os tempos bíblicos, compartilhada nas mais diversas esferas por todas as comunidades humanas organizadas. Com o advento da tecnologia da informação, ampliou-se exponencialmente a diferença de capacidade de Estados e agentes não estatais para espionar inimigos, aliados, competidores, parceiros. Pode-se até sustentar que a posse de meios cada vez mais avançados de "reunir inteligência", como diz Obama, é ela própria um estímulo à multiplicação dos alvos e ao aprofundamento do escopo da espionagem. A "necessidade de saber", que se acentua quanto mais é satisfeita e à qual não há poder que não se curve, forja um inquebrantável círculo vicioso. O único pecado de um governo é ser apanhado fazendo o que os outros, na medida de suas possibilidades, também fazem.Eis por que bem não deve a presidente imaginar que a sua fala, além dos protocolares aplausos com que foi acolhida no plenário tido como o mais importante do mundo, fará diferença na grande ordem das coisas. Ela que não caia na armadilha de se entusiasmar demais, por exemplo, com o efetivo destino das suas propostas "para o estabelecimento de um marco civil multilateral para a governança e uso da internet e de medidas que garantam uma efetiva proteção dos dados que por ela trafegam". O mérito dos princípios que elas visam a garantir - desde a liberdade de expressão e o respeito aos direitos humanos, ao tratamento igual dos usuários do sistema (a "neutralidade da rede") - ou não guarda relação com as propostas por vir ou joga contra elas. Estados autoritários como os da Rússia e da China, para não mencionar o big business da rede, tenderão a sabotar a ideia de uma "governança democrática, multilateral e aberta".Uma coisa são as palavras; outra, os fatos - e não se pode ignorar que a presidente enveredou pela contramão da realidade ao apregoar os seus alegados esforços para proteger o Brasil da interceptação de comunicações e dados. Na mesma terça-feira em que Dilma se dirigiu à ONU, o site Contas Abertas revelou que o já restrito orçamento do Exército para a defesa cibernética em 2014 deverá ficar R$ 20 milhões abaixo dos R$ 90 milhões previstos para o atual exercício. E, destes, menos de R$ 16 milhões foram empenhados e apenas R$ 14,4 milhões foram pagos até a semana passada. Segundo o Ministério da Defesa, citado pelo site, os empenhos tendem a crescer no segundo semestre. O essencial, como deixa claro o titular da Pasta, Celso Amorim, é que o País tardará a se apetrechar na frente eletrônica. "Isso leva tempo, demanda investimentos, formação de pessoal e mudança de cultura", afirmou. Não foi o que Dilma quis fazer crer em seu pronunciamento - no qual se sobressaem as digitais dos seus marqueteiros. Embora dissesse o que precisava dizer da espionagem denunciada, ela falava para um público desmedidamente maior do que as delegações dos 193 Estados-membros da ONU: o eleitorado nacional.