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Fantasia prorrogada

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Por Redação
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Se há tempos o governo do Uruguai vinha reclamando que o Mercosul era um “fracasso”, pois a integração comercial ficou emperrada principalmente por decisões dos dois principais sócios do bloco – Brasil e Argentina –, agora terá mais razões para fazê-lo. No encontro dos chanceleres dos países do bloco, que fez parte da 48.ª Cúpula de Chefes de Estado realizada em Brasília na semana passada, decidiu-se prorrogar automaticamente até o fim de 2021, para Brasil e Argentina, e de 2023, para Paraguai e Uruguai, as exceções à tarifa externa comum (TEC) e os regimes tributários especiais.

Em vigor desde 1995, a TEC deveria assegurar ao bloco a condição de união aduaneira, etapa mais avançada de integração econômica e comercial do que a zona de livre-comércio. Mas as exceções à aplicação da TEC para produtos de outros países são tantas que descaracterizam a condição de união aduaneira do bloco. Com a decisão dos chanceleres, o sonho da plena integração comercial do bloco, de um dia se tornar realidade, foi mais uma vez adiado.

Como ocorre com frequência em reuniões de chefes de governo dos países do Mercosul, a Cúpula de Brasília terminou com um comunicado em que a retórica superou em muito o relato de fatos e de decisões concretas. Afinal, decisão relevante só houve mesmo uma, justamente a prorrogação das exceções da TEC, que contradiz as reiteradas afirmações do comunicado sobre “esforços para o aprofundamento da integração do bloco”.

A reunião dos chefes de Estado em Brasília marcou o fim do mandato da presidente Dilma Rousseff na presidência temporária do bloco, assumida pelo presidente paraguaio Horacio Cartes. Para que o encontro não se limitasse a uma decisão que demonstra o fracasso do processo de integração regional, os países do bloco – Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Venezuela – assinaram acordo para incluir o Suriname e a Guiana como membros associados.

Também foi assinado o novo protocolo para a inclusão da Bolívia no bloco. É apenas a reiteração, agora com a concordância do governo paraguaio, de protocolo semelhante que havia sido assinado em 2012 sem a presença do Paraguai, que então estava suspenso do bloco por causa da deposição constitucional do ex-presidente Fernando Lugo.

Do ponto de vista comercial, decidiu-se que nos próximos seis meses o Mercosul vai elaborar um plano de ação para identificar as barreiras tarifárias e não tarifárias e as medidas que afetam a competitividade dos países do bloco e prejudicam o comércio entre eles. “Queremos que (essas travas) sejam superadas porque não beneficiam ninguém em particular, e todos temos de crescer juntos no Mercosul e nos prepararmos para o desafio que vamos ter com a possibilidade que se abre com as negociações com a União Europeia e outros blocos do mundo”, afirmou o ministro das Relações Exteriores do Paraguai, Eladio Loizaga, após a reunião com seus companheiros do bloco.

A intenção é boa, mas não passa disso e é tardia e redundante, pois a constituição do bloco já obrigava seus integrantes a renunciar ao uso de artifícios desse tipo. Para a remoção desses obstáculos será necessário dobrar o governo da Argentina, que vem aprofundando medidas protecionistas que prejudicam principalmente as exportações brasileiras.

Também dependerá do governo argentino o andamento das arrastadas negociações do Mercosul com a União Europeia citadas pelo chanceler paraguaio. O Brasil, em diversas ocasiões, manifestou o desejo de acelerar essas negociações, a despeito das resistências do governo argentino. Há dias, a Confederação Nacional da Indústria – que sabe a importância da ampliação do mercado externo para a recuperação do setor manufatureiro hoje em profunda crise – manifestou o desejo de que a cúpula do Mercosul assumisse o compromisso de apresentar ofertas concretas à União Europeia até o fim do ano. O comunicado de Brasília refere-se ao “último trimestre de 2015” como prazo para isso.