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Fomento, regulação e concorrência

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Por João Grandino Rodas
3 min de leitura

Com o anúncio recente do governo federal de programa de investimentos em logística, o País tem à frente uma daquelas grandes oportunidades de congregar efetivamente vetores que confluem para o crescimento econômico nacional: iniciativas de fomento, elaboração de mecanismos eficientes de regulação técnica e econômica e observância dos princípios da boa competitividade.O plano de atrair a iniciativa privada para a consecução de importantes obras de infraestrutura, que melhorariam os condutos por onde escoa boa parte da produção doméstica de commodities, por exemplo, casa-se com a sinalização de financiamento desses projetos com recursos públicos. Com efeito, o programa abrange a concessão de 9 trechos de rodovias federais e 12 trechos no modal ferroviário e contaria com o aporte do BNDES de 80% dos R$ 133 bilhões necessários estimados, segundo dados do próprio governo.Há, também, a perspectiva de fomento para outras áreas de transportes, com novas concessões que abrangeriam portos, aeroportos e hidrovias. E ainda, circunscrevendo a análise a esse setor, a proximidade dos leilões de permissões para as empresas de transporte de passageiros, em âmbito interestadual e internacional, bem como a licitação para a implantação do trem de alta velocidade entre o Rio de Janeiro e Campinas, passando por São Paulo, que contaria com desoneração de tributos pelo Reidi, além da isenção de ICMS, PIS e Cofins.Por certo a mera indicação e o desejo de que tais projetos sejam realizados não garantem o sucesso da empreitada, mesmo com o aceno de atividades de fomento. Assim, para cada trecho supramencionado é preciso que haja estudo preciso das questões regulatórias envolvidas, tais como prazo de concessão, taxa interna de retorno, condições de entrada e saída da regulação, garantias, obrigações e responsabilidades contratuais, forma de cálculo da tarifa. Sem a definição clara desses e de outros critérios o programa pode não vingar.Afinal, e exemplificando com o modelo proposto para as ferrovias federais, como assegurar interesse do particular para o negócio e garantia de benefício ao usuário/consumidor se a proposição aventada foi tão somente de formação de uma parceria público-privada e quebra do monopólio no uso das estradas de ferro? Conforme admitiu o presidente da Valec, José Eduardo Castello Branco, em entrevista publicada neste jornal em 6/9, o Tesouro Nacional poderia investir até R$ 4 bilhões por ano para tornar o projeto viável.Entretanto, não basta indicar condições de fomento sem que esteja delineado o desenho regulatório. Neste ponto, sabe-se que o governo seria responsável pela contratação da construção, manutenção e operação da ferrovia. Em momento subsequente a Valec compraria a totalidade da capacidade de carga da concessionária e repassaria sua venda aos operadores interessados. Conceder, contudo, garantindo a totalidade do risco de demanda de uma empresa, acreditando que a concorrência possa ser forçada em momento posterior, é, no mínimo, temerário.Daí a necessidade de a regulação, além de proativa, ser também pró-competitiva e contemplar em seu processo uma integração harmônica da dimensão concorrencial com a regulação propriamente dita. Questões de natureza procedimental e de ajuste entre essas duas áreas - que não se confundem, mas se integram - carecem de ajustes na configuração do arcabouço institucional e de divisão de competências entre os agentes envolvidos.Vale dizer que o momento se apresenta muito apropriado para a harmonização dos trabalhos do BNDES, das agências reguladoras e dos órgãos de defesa da concorrência. Apesar de já haver interação dessas áreas, seria a chance de testar em especial as competências da Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae) do Ministério da Fazenda após a promulgação da Lei 12.529 (Lei de Defesa da Concorrência), vigente desde 29/5.Desempenhando seu papel de competition advocacy junto às agências, a Seae poderia contribuir para a formatação de modelos regulatórios com a perspectiva do viés concorrencial. Sem interferir no processo regulatório, pode contribuir com sua ampla experiência em matéria antitruste e enriquecer o debate das concessões no País.No mesmo diapasão, o Cade pode colaborar para um conflito positivo de regulação e, por meio de seu Departamento de Estudos Econômicos ou grupos de trabalho voltados para questões regulatórias, dialogar com as agências e indicar proposições nos documentos de trabalho de concessão à iniciativa privada. Evidentemente, não seria tarefa fácil para o Cade no momento, em razão das dificuldades de adaptação aos novos mecanismos de controle prévio dos processos de estrutura da economia nacional, dos prazos regimentais a serem cumpridos, da estrutura institucional redefinida e da reestruturação do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência. Não obstante, com pouco mais de cem dias de vigência da nova lei concorrencial, no momento em que se comemoram os 50 anos de criação do Cade e temas relevantes para a defesa da concorrência são debatidos por instrumentalizadores e aplicadores da lei, acredita-se que a inclusão de temas regulatórios na pauta desse órgão agregue valor ao trabalho das pretensas novas concessões e da própria autarquia.Para alcançar o desiderato entende-se que a gestão dessa aproximação e do estreitamento de forças entre fomento, regulação e concorrência poderia até ser realizada pela Câmara de Políticas de Gestão, Desempenho e Competitividade, criada pelo Decreto 7.478, de 12/5/2011, que teria a função de perseguir o objetivo do governo de iminentes concessões de infraestrutura e concatenar as atividades dos órgãos estatais. Como salientado pelo presidente da Câmara em 23/9, no 29.º Fórum Planalto, em Brasília, é preciso trazer governança para os processos de gestão.* REITOR DA USP, PRESIDENTE DO CONSELHO DOS REITORES DAS UNIVERSIDADES ESTADUAIS PAULISTAS, FOI PRESIDENTE DO CADE (2001-2004)