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Freio nos privilégios

Crise tornou ainda mais evidentes as já conhecidas distorções existentes na remuneração de várias categorias de servidores dos Três Poderes

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Por Redação
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A gravidade da crise por que passa o País, que obriga o governo a reduzir gastos o máximo possível em todos os setores, tornou ainda mais evidentes as já conhecidas distorções existentes na remuneração de várias categorias de servidores dos Três Poderes, que fazem deles verdadeiros privilegiados. Reportagem com base em levantamento feito pelo Broadcast, sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado, com dados do Ministério do Planejamento, mostra que o problema é ainda pior do que se pensava.

Dois aspectos chamam particularmente a atenção: a curta distância entre a remuneração inicial dos funcionários das principais categorias e a recebida por eles no final da carreira, que acarreta sérias consequências; e o fato de os salários iniciais dos recém-aprovados em concursos públicos ficarem bem acima daqueles pagos aos empregados de empresas privadas que desempenham funções semelhantes ou equivalentes, uma situação que nada justifica.

Os números são bastante eloquentes e falam por si. No primeiro caso, um dos exemplos levantados é de consultor legislativo do Senado, que começa com um salário de R$ 29,1 mil. Entre este e o que receberá ao fim de sua carreira, R$ 30,54 mil, a distância é mínima. Ainda no Senado, na área administrativa, os salários dos servidores observam uma distância apenas um pouco maior: partem de R$ 22,52 mil e vão a R$ 25,53 mil. Na administração da Câmara a situação é parecida: de R$ 21,5 mil a R$ 27,43 mil. No Executivo, um advogado da União começa com R$ 18,28 mil e termina com R$ 23,76 mil. Finalmente, no Judiciário e no Ministério Público Federal, a situação é a mesma: a remuneração básica de magistrados e procuradores, sem adicionais, é de R$ 28,95 mil.

Além de esses salários terem níveis iniciais muito elevados, o caminho entre eles e os dos níveis finais é tão curto que leva os que os recebem a se sentirem sem incentivos para progredir na carreira. Por isso, vão procurá-los nos chamados penduricalhos, vantagens extras para as quais não falta imaginação. Desde os mais variados auxílios – o de moradia, mesmo para quem mora em casa própria, na cidade onde trabalha, e dele não precisa, é apenas o mais conhecido – até vantagens, dificilmente compreensíveis, como as oferecidas, por exemplo, aos integrantes da Advocacia-Geral da União, da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e das procuradorias dos Ministérios e do Banco Central.

Embora já tenham altos salários para fazer o que fazem, eles ainda recebem desde agosto passado honorários pelas causas ganhas pela União e conseguiram autorização para exercer advocacia privada, desde que não seja em causas contra o governo. Em resumo, como se já não bastasse ganhar bem – e desde o início, ao contrário do que ocorre normalmente em carreiras profissionais na iniciativa privada – esses servidores federais têm também esses penduricalhos para engordar ainda mais seus rendimentos. O fato de tudo isso ter base legal não altera o resultado da equação, cujo custo é pago com o suado dinheiro dos contribuintes.

A comparação dos salários iniciais de servidores federais com os dos empregados do setor privado expõe outra situação injustificável. No caso, basta o exemplo da área da saúde. Como mostra a reportagem do Estado, desta vez com base em dados da empresa de recrutamento e seleção Catho, um médico perito previdenciário ganha entre R$ 11,38 mil e R$ 16,22 mil, enquanto a remuneração média de um médico cirurgião é de R$ 7,11 mil na iniciativa privada.

A prodigalidade do Estado com essas categorias, num país como o Brasil, é revoltante, inaceitável. Por isso, já que mudar as situações já estabelecidas é muito difícil, o governo estuda pelo menos estancar a sangria, reduzindo o salário inicial das categorias mais bem remuneradas de servidores. Apesar de ser essa uma providência de alcance limitado, é certo que ela enfrentará fortes pressões corporativas para atingir tal objetivo. Mas, à míngua de recursos, não pode tolerar mais a continuação dessa gastança.