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Ganhos para o Brasil na OMC

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Por Redação
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Pelo menos três benefícios para o Brasil foram produzidos na Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC), encerrada no sábado em Nairóbi, no Quênia. Os subsídios à exportação agrícola serão proibidos a partir de 2016. Com isso será eliminado um fator de distorção dos mercados e países competitivos no setor serão beneficiados. Em segundo lugar, esse acordo, aparentemente modesto quando comparado com a ampla agenda internacional, garante a sobrevivência da OMC como principal foro de negociações multilaterais. Em terceiro, a delegação brasileira, além de ter atuado de forma relevante na elaboração do acordo, seguiu um padrão diferente daquele dominante na diplomacia nacional a partir de 2003. Deixou de se aliar de forma quase incondicional aos parceiros emergentes e em desenvolvimento e deu clara prioridade a uma pauta própria. Falta verificar se essa orientação será mantida ou se o terceiro-mundismo petista voltará a prevalecer. Por enquanto, o encontro de Nairóbi parece ter sido um marco.

O fim dos subsídios à agricultura – pelo menos daqueles mais nocivos à concorrência internacional – é uma velha pretensão das economias emergentes e em desenvolvimento. O poder econômico dos países mais avançados tem feito do comércio agrícola, por muito tempo, uma competição muito mais entre Tesouros do que entre produtores. O fim do subsídio à exportação eliminará só uma parte do problema, porque os governos, principalmente do mundo rico, manterão outros tipos de subvenções. Mas o avanço é significativo, especialmente numa fase de baixa de preços internacionais.

Com as cotações em queda, a ajuda oficial dá um fôlego extra aos produtores e exportadores para enfrentar os jogadores mais competitivos, como o Brasil, a Argentina, o Uruguai e a Austrália, para citar alguns exemplos mais evidentes. A interrupção dessa ajuda – e já a partir do próximo ano – elimina uma distorção importante.

Para apoiar esse resultado, a delegação brasileira teve de se afastar do G-20 Agrícola, um grupo formado na fase inicial da Rodada Doha e integrado por países defensores da liberalização das políticas seguidas no mundo avançado. Mas alguns dos participantes dessa coalizão, como a China e a Índia, têm políticas protecionistas para a agricultura. Opõem-se, portanto, à ampla liberalização do comércio agrícola. A diferença de interesses quanto a esse ponto ficou clara em outras ocasiões, mas a disposição brasileira de seguir uma agenda própria nunca ficou tão clara quanto em Nairóbi.

Os governos da China e da Índia têm trabalhado regularmente, em todos os foros internacionais, em defesa de interesses próprios. Jamais confundiram os interesses nacionais com os de grupos como o G-20 Agrícola, o Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e muito menos com os de entidades mais abstratas, como o conjunto dos países emergentes ou em desenvolvimento. Desta vez, a pretensão indiana de impor barreiras para conter surtos de importação ficou para exame em futuras negociações, sem afetar o acordo possível na reunião de Nairóbi.

A conferência recém-terminada virtualmente liquida o remanescente da Rodada Doha. Americanos e europeus pretendem uma nova pauta, sem vínculo necessário com a negociação iniciada em 2001 no Catar e ainda muito longe de se completar. O governo brasileiro deve preparar-se para uma agenda renovada, mas para isso terá de implantar, para valer, uma política de competitividade para o conjunto da economia. Nada parecido com isso foi feito nos últimos 13 anos.

Se for capaz de um mínimo de realismo, o governo brasileiro, além de defender a preservação da OMC, deverá empenhar-se também na busca de negociações bilaterais e birregionais, como fizeram dezenas de governos de todo o mundo em mais de uma década. Para isso será preciso mudar as ambições do Mercosul. A eleição presidencial da Argentina, com a derrota do kirchnerismo, abre uma possibilidade de renovação e revigoramento do bloco regional.