Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Gastando por conta do futuro

Exclusivo para assinantes
Por Redação
2 min de leitura

O governo federal acaba de inventar mais um truque para manter a gastança e continuar fechando suas contas, no fim do ano, como se houvesse cumprido a meta fiscal ou, pelo menos, manejado com alguma prudência as finanças públicas. Para isso, a presidente Dilma Rousseff decidiu antecipar, em nova manobra contábil, o recebimento de recursos devidos à União pela Itaipu Binacional - cerca de R$ 15 bilhões até 1.º de maio. O prazo previsto para a liquidação dos compromissos de Itaipu terminará em 2023. Com isso, cria-se mais uma hipoteca sobre a arrecadação dos próximos dois mandatos presidenciais e do começo do terceiro. Eis aí mais um instrutivo exemplo de irresponsabilidade fiscal. O Tesouro já havia recorrido à antecipação de dividendos de estatais para tapar buracos. Esse foi um dos artifícios empregados em 2012 para maquiar a execução do orçamento. Na prática, o Tesouro terá de se endividar, por meio da emissão de papéis, para conseguir neste ano aquele dinheiro. O endividamento, autorizado pela Medida Provisória (MP) n.º 615, de 17 de maio, será "em favor da Conta de Desenvolvimento Energético". Os valores recebidos depois, quando a Itaipu liquidar efetivamente seus compromissos, "serão destinados exclusivamente ao pagamento da dívida pública federal". Para autorizar essa manobra, a nova MP alterou a Lei n.º 12.783, de 11 de janeiro deste ano, relativa às concessões de serviços de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica e à redução das tarifas de eletricidade. Com a antecipação do dinheiro devido até 2023 pela Itaipu Binacional, o governo terá recursos adicionais para enfrentar os custos da redução das contas de energia. Incluída na receita, essa verba será contada no cálculo do superávit primário, isto é, da economia feita anualmente para o pagamento de juros devidos pelo Tesouro. Facilitará, portanto, o cumprimento da meta fiscal, ampliando o espaço para a manutenção das despesas federais. Será mais fácil cumprir a meta sem comprimir os gastos ou sem aumentar a receita efetiva, em parte prejudicada pela concessão de estímulos tributários. Apesar da emissão de títulos, a dívida líquida poderá ficar inalterada, porque os papéis terão como contrapartida os créditos a receber da Itaipu. Mas a dívida bruta aumentará e o custo de sua rolagem poderá subir, se as condições do mercado financeiro se alterarem. Isso dependerá tanto da política oficial de juros como do humor dos financiadores. Embora os ministros e outros funcionários insistam em falar quase exclusivamente sobre a dívida líquida, o mercado leva em conta, em suas avaliações, também a dívida bruta. É assim em todo o mundo e nenhum operador do sistema financeiro tem um bom motivo para agir de forma diferente em relação ao governo brasileiro. A MP autoriza a emissão de papéis até o limite do valor devido pela Itaipu Binacional em 1.º de maio. O objetivo imediato é cobrir os gastos previstos para a Conta de Desenvolvimento Energético, criada para várias finalidades, como a universalização do serviço de energia elétrica, a indenização a empresas no caso da reversão das concessões, a redução dos preços para os consumidores e a competitividade da energia produzida com base no carvão e em outras fontes. O governo recorreu a essa conta para evitar o repasse aos consumidores dos custos adicionais da energia térmica produzida durante a seca. O secretário do Tesouro, Arno Augustin, já havia anunciado a adoção de uma política "contracíclica" - economia nos anos bons para despesas maiores nas fases ruins. Na prática, só a segunda parte da cartilha, a dos gastos maiores, vem sendo seguida há muitos anos. O compromisso com o regime de metas fiscais tem sido mantido principalmente de maneira formal, com o uso cada vez mais amplo de maquiagem contábil. Ao recorrer à antecipação dos recursos devidos pela Itaipu Binacional, o governo dá mais um salto no caminho da irresponsabilidade, ampliando o gasto por conta de créditos futuros.