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Opinião|Geopolítica muda tudo. Que vai para o centro?

Atualização:

A geopolítica global está ficando de cabeça para baixo, com a decisão dos Estados Unidos de se juntarem a mais 11 países – Japão, Canadá, México, Peru, Chile, Vietnã, Brunei, Malásia, Cingapura, Austrália e Nova Zelândia –, que representam 40% do PIB mundial, e formalizar a Parceria Transpacífico, “o maior acordo comercial da história, como avaliou este jornal (6/10). E que poderá impulsionar outros países a formar outros blocos que incluam nações como o Brasil.

Talvez a reunião da Organização Mundial do Comércio, marcada para Nairóbi em dezembro, possa deixar tudo mais claro. Em princípio, estarão em foco a redução de barreiras (tarifárias ou não), a regulação do comércio, o combate à corrupção, a propriedade intelectual, o papel das empresas estatais, padrões ambientais e muito mais.

O presidente Barack Obama assim justificou a criação do novo bloco: “Quando mais de 95% dos nossos clientes potenciais estão fora de nossas fronteiras, nós não podemos deixar países como a China escrevendo as regras da economia global”. Esquerdistas em passado não tão remoto ou críticos do capitalismo talvez digam que são os novos (velhos) formatos do imperialismo, ter um bloco com PIB de US$ 28,11 trilhões por ano, um terço do comércio mundial, países-membros responsáveis por evasão fiscal de US$ 240 bilhões anuais.

Obama ainda dependerá de aprovação do Congresso norte-americano nos próximos 90 dias – o que parece incerto. E, nessa direção, com mais um problema a atormentar: a Índia, que vai ultrapassar a China em população – e a China tem 50% mais de poupança que os EUA. Joseph Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia de 2001, ex-assessor do presidente Bill Clinton, ex-economista-chefe do Banco Mundial, tem dito (22/8) que o mercado financeiro, “que deveria intermediar com eficiência recursos de poupança e oportunidades de investimentos, faz, em lugar disso, má alocação de recursos e gera riscos”. Um problema grave para o Terceiro Mundo, que precisa de investimentos de longo prazo.

Em 2002, lembra Stiglitz, foi feito numa conferência mundial um apelo aos países desenvolvidos para que destinassem pelo menos 0,7% de seu PIB a ajudar países menos desenvolvidos. Mas só Dinamarca, Luxemburgo, Noruega, Suécia e Grã-Bretanha, até o ano passado, haviam atingido essa meta; os Estados Unidos ficaram em 0,19% do PIB. Agora, os países mais pobres dizem aos mais ricos que, se eles não vão cumprir suas promessas, ao menos saiam do caminho” e os deixem “criar uma arquitetura de economia global que trabalhe também para os pobres”. Mas a resposta mais recente parece na direção oposta. Stiglitz não estranha, ao lembrar que nos Estados Unidos 1% da população fica com 40% da riqueza (há 25 anos a proporção era de 12% da população com 33% da riqueza), fruto de uma “política deliberada” que leva os super-ricos a “viver numa bolha”, quando, no seu entender, deveriam sofrer uma taxação maior de impostos sobre a renda.

Quando se volta o foco para nossas fronteiras, vê-se que grande parte dos analistas prevê situações mais difíceis nos próximos tempos, e “sombrias” para o segundo semestre (Estado, 2/9), como é o caso do diagnóstico do banco Wells Fargo, o terceiro maior em ativos nos EUA – que assim entende por causa da queda de preço de commodities, das incertezas no clima e de fatores políticos internos. O próprio governo do Brasil estima a recessão próxima de 3% do PIB. A dívida pública federal está em R$ 2,686 trilhões. A taxa de desocupação está em 7,6%, a mais alta desde 2009; a renda média real, com queda prevista para 3,5% em 2015. Faz pensar no que diz a revista New Scientist, em edição recente (29/8): “O emprego, como o concebemos hoje, deixará de existir.”

Os Objetivos do Milênio, promovidos pela ONU, entendem que tem havido progressos no mundo (8/9), mas com fortes lacunas. Nos últimos 15 anos esses programas tiraram mais de 1 bilhão de pessoas da faixa da miséria absoluta – embora ainda existam 836 milhões nessa condição e 12,9% passando fome, ou 795 milhões de pessoas. E 57 milhões de crianças fora das escolas.

Artigo do jornal The Washington Post (15/9) propõe que se calcule “o valor da natureza” - florestas, pastagens naturais, solos – e dos serviços que prestam. Só a degradação de solos custaria ao mundo de US$ 6,3 trilhões a US$ 10,6 trilhões por ano, podendo chegar a US$ 72 mil por quilômetro quadrado (um terço da área agricultável no mundo já foi atingido pela degradação). “A cada ano se perdem entre 10% e17 % do PIB mundial nessa área”. E se houver recuperação dessas terras, “podem-se gerar US$ 75 trilhões de renda no mundo”.

Traz à baila livro, há pouco editado, do professor Luiz Marques, do Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, Capitalismo e Colapso Ambiental. Ele diz que “o futuro não está contido no presente”. Mas neste momento “ninguém sabe de onde virá uma ação política coletiva capaz de reverter (e não apenas amenizar) a tendência ao colapso ambiental”. Até porque, pensa ele, “a dinâmica expansiva e centrífuga do capitalismo, substituindo os mitos de origem pelos mitos de futuro, é a condição histórica de possibilidade das crises ambientais contemporâneas”. Então, seria preciso “redefinir profundamente os temas e as prioridades na pauta de debates socioeconômicos e políticos que polarizam hoje nossas sociedades”.

Se invertermos a ordem do pensamento, talvez cheguemos aonde pensa o autor que é indispensável chegar: “A economia deverá ser absorvida pela ecologia”. E a primeira condição para enfrentar as crises ambientais presentes e futuras “é colocá-las sem mais delongas e subterfúgios como o problema central e impreterível da humanidade”.

Com a nova crise na geopolítica global e os desastres se avolumando, estaremos nos aproximando de uma mudança radical?

* WASHINGTON NOVAES É JORNALISTA/ E-MAIL: WLRNOVAES@UOL.COM.BR