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Opinião|Goiabada com ciência, tecnologia e inovação

Empresário de Matão criou empresa exemplar no uso desses três recursos

Atualização:

Gosto muito de goiabada com queijo, mas optei por divulgar esta outra e ótima receita ao ler no último dia 22, neste jornal, excelente matéria da jornalista Márcia De Chiara sobre um empresário de Matão (SP), Antônio Carlos Tadiotti, que a reportagem chamou de gigante da goiabada. Merece o título, ou mesmo de rei, dado seu enorme sucesso na produção desse doce e de polpa da mesma fruta.

A empresa que Tadiotti criou impressiona por seu crescimento e pelo tamanho a que chegou. A primeira entrega de goiabada foi de 700 kg, em 1991. Hoje tem 1.200 empregados produzindo 700 toneladas (!) diárias – ou seja, mil vezes mais – do doce e de polpa da fruta. Com essa dimensão, o próprio empresário se declara o maior processador de goiaba do mundo.

Chamou-me particularmente a atenção ver essa evolução pautada por intenso recurso a ciência, tecnologia e inovação. Trata-se de caminho ainda insuficientemente mapeado pelas políticas públicas do País, e também pouco seguido por iniciativa própria de empresários. Salvo raras exceções, como a de Tadiotti, que por isso mesmo precisam ser difundidas como bons exemplos a seguir.

Ele chegou ao mercado externo 15 anos atrás e seus produtos são hoje vendidos para 57 países. E mais: é o maior fornecedor de polpa de goiaba para a empresa Coca-Cola, de alcance mundial, que também opera com sucos, com a marca Del Valle, entre outras.

E quem é o homem? Químico de formação, trabalhou vários anos em empresa de alimentos, entre eles, goiabada. Nessa condição, estagiou em fábricas europeias e aprendeu novas tecnologias. Antes de rumar para a indústria, foi pesquisador e docente universitário e fazia mestrado em medicina nuclear na USP. Ou seja, teve também formação e experiência em ciência e tecnologia, que utiliza como empresário, condição em que também passou a inovações. Destaque-se a desenvolvida com a Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Araraquara, ao criar sistema asséptico, semelhante ao do leite em caixinhas, que dispensa o congelamento da polpa, assim reduzindo custos e aumentando a durabilidade do produto.

Quando pedimos suco de fruta numa lanchonete ou num restaurante, muitas vezes é de polpa congelada, uma exceção usual sendo o de laranja, fruta de conservação relativamente fácil, muito demandada e de disponibilidade disseminada, o que não é o caso da goiaba. E é fácil de imaginar o alto custo de produzir e transportar toneladas de polpa congelada de frutas, nacional ou internacionalmente. A importância dessa inovação foi ressaltada pelo próprio Tadiotti. Disse ter sido com ela que ganhou o mercado mundial de polpa.

Outra inovação foi na produção da goiaba, em que seguiu o modelo da avicultura, no qual produtores de pequeno porte produzem aves para processamento em grandes empresas. Tadiotti estimulou pequenos produtores a cultivar goiaba para sua empresa – 260 estão integrados à sua cadeia produtiva. Chama isso de verticalização, porém entendo ser esse um termo mais aplicável quando uma empresa passa a produzir seus insumos. É mais uma forma de terceirização.

Mudas utilizadas foram desenvolvidas pela empresa, que orienta a produção irrigada para ser contínua, ou seja, o ano todo. De novo a Unesp, desta vez em Jaboticabal, demonstrou que com irrigação e podas escalonadas seria possível assegurar essa continuidade.

Noutra inovação, as mudas não vêm de sementes, mas por estaqueamento, num processo demonstrado mais produtivo em termos de polpa, também desenvolvido com a Unesp de Jaboticabal. Mais um processo inovador, também em parceria com essa universidade, foi o desenvolvimento de variedade de goiaba que requer menos produtos químicos no seu cultivo.

Voltando ao relacionamento da empresa com seus fornecedores da fruta, ele também demonstra não haver conflito entre a agricultura familiar e o agronegócio – conflito apontado por alguns críticos deste. Mas é importante que essa cooperação permaneça, a exemplo do que também ocorre na avicultura e noutros setores.

Lamentavelmente, tal parceria não teve o mesmo sucesso no caso da laranja, segundo duas matérias da mesma jornalista que vêm logo em seguida na conexão citada. Numa delas foi dito que uma das razões é que empresas processadoras do suco se tornaram verticalizadas no sentido que apontei, pois passaram a adquirir propriedades e produzir por si mesmas as laranjas que utilizam.

Autoridades voltadas para conter a concentração de poder econômico precisam estar atentas para evitar esse tipo de ocorrência. É uma verticalização que altera fortemente a cadeia produtiva, prejudica produtores com menor poder de barganha e aumenta a concentração de renda. Conforme uma dessas matérias adicionais, isso fez muitos produtores de laranja desistirem da atividade, levando a problemas para a sua sustentação econômica, bem como do setor, de cidades e de suas regiões. Alguns produtores de laranja passaram à goiaba, mas é um mercado de menor dimensão.

Em face de seus ótimos resultados, o empresário Tadiotti e sua empresa deveriam ser objeto de estudo de caso a ser usado por empreendedores, instituições de ensino e formuladores de políticas públicas. O objetivo seria estimular o uso de ciência, tecnologia e inovação por empresas, e com envolvimento permanente de pequenos produtores na cadeia produtiva. Nas universidades também serviria de exemplo para estimular a tão sonhada quanto ainda escassa colaboração com o setor produtivo.

Apesar de todo o seu trabalho, espero que o sr. Tadiotti volte ao magistério, ainda que ocasionalmente, para palestras de aprendizado e motivação, com o objetivo de levar outras cabeças e mãos à obra.

*Economista (UFMG, USP e Harvard), consultor econômico e de ensino superior