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Opinião|Golpe de jiu-jítsu

Atualização:

Não há explosões nem rupturas. Não há socos nem chutes fulminantes, à Anderson Silva. Golpe, hoje, é de jiu-jítsu. A luta é no chão, lenta e sufocante como aperto de cobra. Nada de muito espetacular acontece. Persistente, insidiosa e inexoravelmente, os braços e pernas da cidadania no Legislativo e no Judiciário vão sendo agarrados, torcidos, imobilizados; o País vai parando, exausto, e o estrangulamento econômico é que leva aos três tapinhas no final... É esse o script bolivariano. Depois vem o caos... Mas em países da pujança e da complexidade do Brasil o buraco é mais embaixo. Tiroteio no morro é sempre emocionante, mas diz pouco sobre o que rola no alto comando do crime organizado. Com o "petrolão" acontece coisa parecida. Se quiser saber onde é que essas guerras realmente são decididas, siga o dinheiro. A "caixa-preta" do BNDES e dos fundos de pensão estatais está para o "petrolão" como o armamento nuclear está para as armas convencionais na guerra pela construção do "Reich de Mil Anos" do PT. Luciano Coutinho é a Dilma competente. O "true believer" que sabe o que faz. Mas por trás de tudo e por cima de todos paira Luiz Inácio Lula da Silva, o que não acredita em nada. A este, com seu instinto e seu faro fulminantes para o poder, não custou um átimo entender o potencial que tinha o fascínio do doutor Coutinho pelo sistema coreano dos Chaebol. "Aparelhar" esse fascínio foi brincadeira para o nosso insuperável virtuose na arte de servir doses cavalares de dinheiro aos ricos e de mentiras aos pobres enquanto atiça uns contra os outros e é amado por ambos, arte em que se iniciou, já lá vão 40 anos, frequentando a ponta da ponta do capitalismo cínico de seu tempo, aquele sem pátria das multinacionais automobilísticas do ABC paulista. Foi ali que ele aprendeu a comprar pequenos privilégios para a clientela dos metalúrgicos que o mantinha na linha de frente do jogo do poder à custa de garantir lucro fácil às multinacionais pondo o resto do Brasil andando de carroça paga a preço de Rolls-Royce. Foi ali que ele entendeu a força que o dinheiro tem, a resiliência dos laços que ele cria e a conveniente característica de moto-contínuo que os esquemas amarrados com ele engendram, realimentados pela corrupção e pela miséria que eles próprios fabricam. Do esquema coreano de "empresas-mãe" recheadas de dinheiro do Estado entregues a um indivíduo ou a uma família, cercadas de pequenas "empresas-satélites" amarradas a elas pelo elo pétreo da sobrevivência econômica nasceu a versão macunaímica dos "campeões nacionais" do BNDES e dos fundos de pensão estatais, dos quais hoje dependem cada vez mais o fornecimento de todos os insumos e a absorção de toda a produção - e, portanto, todos os empregos - da vasta periferia da economia que orbita esses ungidos do Estado petista. A diferença está em que, se na Coreia a explosão da corrupção e a instrumentalização política da relação de dependência inerente aos monopólios de que até hoje, apesar do nível de educação conquistado por seu povo, aquele país não consegue se livrar foram o corolário indesejável de uma vasta operação para criar a partir do zero um país e uma economia devastados pela guerra, aqui a trajetória foi exatamente a inversa. O PT não pensa no Brasil, o PT pensa no PT. Aqui, tudo começou para dotar um partido político de condições de impor sua hegemonia com o recurso à corrupção elevada à categoria de moeda institucionalizada de compra de poder e à criação de elos de completa dependência a monopólios politicamente manipuláveis de vastas áreas de uma economia pujante, mas diversificada demais para o gosto de quem sonha com sociedades inteiras dizendo amém a um chefe incontestável que não desce nunca do trono. É essa segunda parte que decide o jogo e o resultado parcial está aí. Com pouquíssimas exceções, não há mais força econômica de qualquer relevância fora do "esquema". Só um rei e seus barões; tanto mais "relativos" estes quanto mais aquele se tornar "absoluto". E se o agronegócio, calcanhar de Aquiles dos totalitários do passado, foi exceção por algum tempo, esse tempo passou. O universo da proteína animal, "chaebolizado", tornou-se galático; o da bioenergia, garroteado pelo golpe da "gasolina barata", ou se multinacionalizou, ou não vive mais sem as veias pinçadas na UTI do governo. Eficiência empresarial? Essa "commodity" hoje se compra. Os grandes "tycoons" do "setor privado" brasileiro que continuam voando em seus jatões cada vez mais obscenos são só os CEOs a soldo de uma economia estatizada, ainda que vestindo roupas civis, e não mais a farda militar de outrora. Dilma Rousseff é um acidente de percurso. O "poste" plantado para ocupar o buraco que começou a acreditar que era ela que tinha sido eleita e quase pôs tudo a perder. Talvez ainda consiga, a prosseguir o patológico desemparelhamento entre seu discurso e a realidade. Mas já não é só nisso que se constitui o "pântano brasileiro" descrito pela Economist. O que está paralisando o Brasil é o PT real sem a anestesia chinesa, apenas acrescentado de extensas áreas de grave irritação cutânea provocada pela irrefreável pesporrência de madame. Para que os brasileiros enxerguem com clareza de onde é que isso tudo vem vindo e disponham do mínimo necessário para opinar sobre o destino que lhes querem impor, antes que seja tarde a imprensa terá de tirar o bisturi da gaveta, lancetar com suas próprias mãos o abcesso que corrói o País por baixo dos "campeões nacionais" e fazer muito barulho para chamar a atenção de todos para ele. Os membros do exclusivíssimo clube dos "campeões" do BNDES, balofos e engurgitados de dinheiro público, almoçam e jantam diariamente em Palácio onde todos se dão tapinhas amistosos nas costas. Ali ninguém vai atirar em ninguém, não haverá prisões nem delações premiadas e jamais nos será "dado acesso" ao câncer que há por baixo da ferida que, com todo mundo hipnotizado pelo tiroteio do "petrolão", o País ainda mal vê.*Fernão Lara Mesquita é jornalista e escreve em http://www.vespeiro.com 

Opinião por Fernão Lara Mesquita