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Opinião|Hora de decisão para a OMC

Atualização:

Tem sido um grande ano para o comércio este de 2015. A OMC comemora seu 20.º aniversário avançando na implementação do Acordo de Facilitação do Comércio, que pode aumentar o comércio global em cerca de US$ 1 trilhão por ano. A Organização Mundial do Comércio também concluiu um novo acordo de tecnologia da informação, que promete eliminar as tarifas sobre produtos que correspondem a aproximadamente 7% do comércio global. Em outras frentes, 12 países concluíram a Parceria Transpacífica; foi assinada a Área de Livre Comércio Tripartite, ligando países no leste e do sul da África; e diversas iniciativas comerciais regionais avançaram, como a Parceria Regional Econômica Abrangente, na Ásia.

Toda essa atividade mostra que o comércio internacional está em boa forma – e mantém a capacidade de estimular o crescimento econômico e o desenvolvimento. Mas ao mesmo tempo essas iniciativas expõem uma tensão fundamental na arquitetura do comércio global. Mesmo com avanços históricos na OMC, boa parte dos acordos comerciais recentes tem abrangência regional, não global. E isso leva à pergunta: por que é tão difícil negociar acordos comerciais globais?

Nas duas décadas de existência da OMC a cooperação mundial na área do comércio certamente teve vários êxitos. Desde 1995 tarifas médias foram reduzidas pela metade, o que contribuiu para uma expansão de 2,5 vezes no comércio mundial. Novos membros se juntaram à OMC – incluindo China e Rússia – e hoje a Organização e suas regras cobrem 98% do comércio mundial. Além disso, essas regras evitaram que a crise de 2008 desencadeasse uma espiral protecionista. Desenvolvemos, ainda, o sistema de solução de controvérsias mais ativo e eficiente do plano internacional, com cerca de 500 casos em 20 anos.

Apesar dessas conquistas, negociar novos acordos multilaterais segue sendo um desafio para a Organização. Ao tentar avançar as negociações da Rodada Doha com vista à Conferência Ministerial em Nairóbi, no dia 15 deste mês, dificuldades já bem conhecidas vieram à tona. Ainda que um pacote de resultados significativos – que pode incluir decisões em agricultura e desenvolvimento – continue sendo possível em Nairóbi, estaremos longe de atingir os objetivos da Rodada Doha, iniciada em 2001. O avanço muito lento é, ao menos em parte, um dos motivos por que o mundo está buscando alternativas no comércio internacional.

O sistema comercial multilateral e iniciativas regionais sempre existiram lado a lado. Aliás, cada membro da OMC faz parte, em média, de 13 acordos regionais ou bilaterais. Essas iniciativas reforçam e complementam o sistema multilateral, mas certamente não podem substituí-lo; há muito em jogo. Acordos globais beneficiam também os países mais pobres, ao passo que se dependermos apenas de acordos regionais os menos desenvolvidos serão excluídos. Além disso, alguns dos grandes temas comerciais, como subsídios agrícolas, não serão resolvidos por essas iniciativas. Corremos o risco de criar um emaranhado de diferentes estruturas tarifárias, normas e regulamentos superpostos, impondo um fardo à atividade econômica. Isso certamente não facilitaria a vida das empresas. Ao mesmo tempo, estaríamos abrindo mão dos benefícios mais amplos que acordos globais podem gerar. Enquanto iniciativas regionais tendem a reforçar parcerias preexistentes, acordos multilaterais podem trazer mais vantagens ao forjar novos elos comerciais.

Não estamos vendo apenas um aumento de iniciativas regionais, mas também uma mudança nos temas abordados. A maioria das iniciativas comerciais fora da OMC tem o DNA da OMC – a linguagem utilizada em diversos temas é muito similar às regras multilaterais. Porém temos notado que essas iniciativas também estão desbravando novas áreas. Novamente, isso é positivo, mas é preocupante que esses tópicos não sejam discutidos num fórum em que todos se possam manifestar. Esse é o caso de temas como investimentos, comércio eletrônico, política de concorrência e questões trabalhistas. Nenhum desses temas está sendo atualmente negociado da OMC.

Quando os ministros dos 161 membros da OMC se reunirem em Nairóbi, eles terão de fazer uma escolha. Sem dúvida, a OMC continuará monitorando práticas comerciais, resolvendo disputas e apoiando a inserção dos países em desenvolvimento no comércio internacional. Mas o mundo deve decidir qual o destino da OMC como fórum de negociação – e, mais especificamente, o futuro da Rodada Doha, tema que divide opiniões de maneira frontal. Um lado argumenta que devemos seguir com a agenda de Doha porque ela é vital para o desenvolvimento – alguns vão além e afirmam que enquanto Doha não for concluída não devemos desviar nossa atenção para outros temas. Já o outro lado argumenta que os temas chave de Doha jamais serão negociados com sucesso se não estivermos preparados para olhar para essa agenda sob nova perspectiva. Uma coisa é certa: avançar a Rodada Doha levará tempo e a economia global não ficará esperando.

Podem os dois lados ser flexíveis? Certamente todos querem manter os grandes temas de Doha na mesa de negociação, especialmente agricultura. Esses assuntos devem continuar parte da discussão. Mas devem ser o único foco das atenções? A discussão de outros assuntos que não estão na agenda atualmente ajudaria ou atrapalharia as negociações em Genebra? As respostas a essas questões definirão o papel da OMC como fórum de negociação.

Apesar dessas divisões, conseguimos negociar acordos importantes nos últimos anos. Mas a OMC pode fazer muito, muito mais. Necessitamos uma visão estratégica comum para o futuro. Os membros da OMC devem buscar um caminho para que possamos aproveitar todo o potencial da cooperação global na área do comércio – e assim promover mais empregos, estimular o crescimento e o desenvolvimento ao redor do mundo.

* ROBERTO AZEVÊDO É DIRETOR-GERAL DA OMC