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Impunidade é inconstitucional

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Por Redação
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Parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR) sobre a Medida Provisória (MP) 703/2015, que modifica a Lei Anticorrupção, é assertivo: as alterações na celebração dos acordos de leniência propostas pela presidente Dilma Rousseff são inconstitucionais. Para a vice-procuradora-geral Ela Wiecko, autora do parecer enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF), a MP vai contra os esforços desenvolvidos nos últimos anos para combater a corrupção e “considerações de ordem macroeconômica” não podem ser usadas como pretexto para atenuar as punições a empresas que cometeram ilícitos. O parecer da PGR refuta assim a visão – tantas vezes defendida pela presidente Dilma Rousseff e que permeia todo o texto da MP 703/15 – de que o combate à corrupção é uma das principais causas da atual crise econômica e que, portanto, seria justificável atenuar a Lei Anticorrupção. Como indica a PGR, a Constituição Federal não permite esse contubérnio com a impunidade. “A competência excessivamente ampla para celebração dos acordos, com reflexos potenciais sobre ações de improbidade e todos os benefícios do art. 16, § 2o, da lei alterada pela MP, debilita fortemente o princípio da responsabilidade, deturpa a finalidade do instituto da leniência e fere a eficiência da administração pública na prevenção e repressão de atos ilícitos”, afirma Wiecko no parecer. É muito oportuno que a PGR rejeite de forma clara a indecente MP 703/15. Afinal, trata-se de uma tentativa da presidente da República de alterar importantes pontos da Lei Anticorrupção, com o explícito intuito de promover a impunidade. A presidente Dilma Rousseff arrependeu-se de ter sancionado a principal novidade trazida pela Lei Anticorrupção – a responsabilização objetiva das empresas – e usa o poder de editar medidas provisórias para abrandar suas consequências. Ao contrário do que sugere ampla experiência internacional, ela deseja que o combate à corrupção se limite às pessoas físicas, excluindo a responsabilidade das empresas. O texto da MP 703/15 – cuja constitucionalidade foi questionada pelo Partido Popular Socialista (PPS) junto ao STF, daí o parecer da PGR à Suprema Corte – desvirtua o acordo de leniência, transformando-o num simples meio para livrar as empresas das sanções pelos atos de corrupção. Por exemplo, a MP 703/15 permite a celebração de acordo de leniência sem que a empresa investigada revele às autoridades qualquer fato novo. Para obter o bloqueio das investigações e processos em curso, e assim se livrar das penalidades pelos eventuais ilícitos praticados, bastaria uma promessa genérica de não delinquir no futuro. Perde assim o acordo de leniência seu propósito original – ser um meio para obter novas informações sobre irregularidades –, tornando-se mero instrumento para que as empresas não sejam punidas. A MP 703/15 também exclui a regra de que o acordo de leniência poderá ser feito apenas com a primeira empresa a se manifestar sobre o ato ilícito (art. 16, § 1.º, I) – importante condição para a obtenção de informações com celeridade. A PGR também opina pela inconstitucionalidade da possibilidade, prevista na MP 703/15, de exclusão do Ministério Público e do Tribunal de Contas da União (TCU) da análise de acordos de leniência firmados entre empresas e órgãos públicos, quando estes tenham instâncias de controle, como, por exemplo, a Controladoria-Geral da União (CGU). Segundo o parecer da PGR, é um absurdo do ponto de vista constitucional que um acordo de leniência firmado com órgão administrativo – “ainda mais sem que tenha havido participação e concordância do órgão competente do Ministério Público” – possa limitar investigações e punições na esfera criminal. Quer seja pelo STF – declarando a inconstitucionalidade da MP 703/15 –, quer seja pelo Congresso – simplesmente rejeitando a medida presidencial –, é importante não dar trela a essas imorais tentativas de perpetuar a impunidade no País.