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Incompetência e compadrio

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Por Redação
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As críticas ao governo de Fernando Haddad limitavam-se até agora a decisões administrativas e a aspectos técnicos de muitos de seus polêmicos – para não dizer desastrados – projetos. A coisa mudou de figura, e para pior, com os veementes indícios de que atos administrativos favoreceram interesses particulares do deputado estadual Ênio Tatto (PT) e de familiares do secretário municipal de Transportes, Jilmar Tatto, seu irmão. À incompetência pode se juntar, dessa forma, o compadrio.

Reportagem do Estado mostrou o estranho desfecho do processo de regularização de edificação de um imóvel de propriedade de Ênio Tatto, situado na Rua Vitorino de Moraes, na zona sul. Trata-se de sobrado comercial com área construída total de 265,3 m², sendo, como diz o processo, “196 m² considerados regulares e 69,3 m² a regularizar, em terreno com área de 256 m²”. Ou seja, mais de um quarto da área construída estava em situação irregular.

Devem existir certamente milhares de outros imóveis em situação semelhante na cidade, cujos proprietários, em determinado momento, resolveram regularizar. O que chama a atenção nesse caso é que o processo de regularização, antes de ser aprovado pelo prefeito Fernando Haddad dias atrás, foi indeferido em todas as instâncias pelas quais passou desde 2004. A explicação oficial para a decisão favorável ao deputado Tatto é que foram satisfeitas as exigências para a regularização.

O que não se explicou de maneira satisfatória até agora é por que isso só ocorreu quando o processo chegou a Haddad, que era a última instância. Afinal, tendo sido cumpridas as condições para tal, isso poderia ser feito pelos órgãos técnicos competentes. Nessas condições, a intervenção de Haddad, mesmo que legal, deixa no ar a suspeita de favorecimento a um correligionário muito bem situado, que coincidentemente é irmão de seu secretário de Transportes e do líder de seu governo na Câmara Municipal, vereador Arselino Tatto.

E para dissipar essa suspeita não basta Ênio Tatto reagir com indignação, sem nada explicar: “Não vi nada de errado. É coisa deles na Prefeitura. Haddad não dá jeitinho, não tinha nada que colocar Haddad nessa história”. Irritação não é argumento.

Em outra situação ainda mais estranha, porque envolve decisão de muito maior importância, encontram-se o secretário Jilmar Tatto e Haddad. Reportagem do jornal Folha de S. Paulo mostra que a Prefeitura substituiu um projeto de ciclovia em Santo Amaro, contratado no governo Gilberto Kassab, que passava por cinco imóveis de sobrinhos e irmãos de Tatto, por outro que se desvia deles, com o objetivo de favorecê-los.

O original, em linha reta, tinha 2 km, e o que foi finalmente implantado, com quatro curvas, tem 2,4 km. Mais caro, não só por causa da maior extensão, como também porque exigiu o asfaltamento do trecho de uma rua. Além de favorecer parentes de seu secretário mais em evidência, por causa das pirotecnias na área de transporte, com a mudança Haddad ainda gastou mais.

Embora negue que Tatto tenha influenciado na troca de projetos, seu sobrinho Leonardo Jesus Tatto, sócio de um prédio situado na rua pela qual a ciclovia original passaria, confessa: “Ela (a ciclovia) deve continuar onde está. Se ela vier para cá, vamos perder muitas vagas de estacionamento”.

E como fica agora o secretário Tatto, que gosta de assumir ares de especialista em transportes e pontificar sobre a prioridade ao transporte coletivo – que ninguém contesta, mas que ele apresenta como se tivesse descoberto a pólvora –, da qual uma das expressões seriam suas milagrosas ciclovias, que quase ninguém usa e que, quando podem prejudicar seus parentes, são deles convenientemente desviadas?

E como fica o prefeito Haddad com sua fantasiosa “revolução” nos transportes da capital que, agora se vê, se molda facilmente aos interesses mesquinhos do compadrio que acompanha as mais arcaicas e reprováveis práticas políticas?