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Inflação cai, mas falta o principal

Se a tendência dos preços persistir em março, o Banco Central (BC) poderá decidir mais um corte da Selic

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Por Redação
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A inflação em queda – o aumento de preços em fevereiro foi o menor para o mês em 17 anos – alarga o caminho para a recuperação da atividade. As famílias terão um pouco mais de folga para consumir, porque a renda mensal será menos corroída pela alta de preços. Isso poderá dar algum impulso ao comércio e à produção. Além disso, os juros básicos da economia poderão continuar em queda, facilitando a atividade empresarial e, pouco mais tarde, a criação de empregos. Se a tendência dos preços persistir em março, o Banco Central (BC) poderá decidir mais um corte da Selic, a taxa básica, na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom). Mantido o cenário favorável, uma nova redução de pelo menos 0,75 ponto porcentual estará garantida. Mas dificilmente alguém se surpreenderá se a tesourada for de 1 ponto, como já têm proposto muitos economistas do setor privado. Nesse caso, a Selic cairá para 11,25% já no próximo mês.

Há um pacote de boas novidades no último relatório oficial sobre a inflação, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Em primeiro lugar, o ritmo mensal diminuiu de 0,38% em janeiro para 0,33% em fevereiro, a menor taxa para o mês desde o ano 2000, quando ficou em 0,13%. Segundo ponto: a alta de preços acumulada em 12 meses passou a 4,76% e ficou muito próxima da meta oficial de 4,5% fixada para o fim de 2017. Poderá haver, segundo alguns analistas, um pequeno repique no terceiro trimestre, mas dificilmente o resultado final ficará acima da meta.

Além disso, a acomodação vem sendo observada num amplo conjunto de preços, como ressaltou o presidente do BC, Ilan Goldfajn, numa entrevista ao Estado publicada na última quinta-feira. A disseminação dos aumentos passou de 63% em janeiro para 51,2% dos preços pesquisados em fevereiro, segundo cálculo divulgado pela Votorantim Corretora logo depois de conhecidos os novos dados do IPCA. Foi o menor número desde julho de 2011, quando o índice de difusão ficou em 50,3%. A amplitude da mudança tem sido uma das condições observadas pelos membros do Copom para avançar no afrouxamento da política de crédito. Isso envolve atenção especial ao item serviços. Embora mais lentamente que o IPCA, esse indicador vem recuando. Entre agosto e fevereiro, o aumento em 12 meses passou de 7,4% a 5,95%.

A parte mais vistosa do retrospecto é o recuo da inflação registrado em um ano. Em fevereiro de 2016 a taxa acumulada em 12 meses ainda estava em 10,36%, pouco abaixo do pico alcançado no mês anterior (10,71%). Em fevereiro deste ano a taxa havia sido reduzida a menos da metade (4,76%).

Há vários motivos para a celebração desse resultado, bom para o dia a dia das famílias, para a operação e o planejamento das empresas e, com certeza, para a condução da política econômica. Com inflação menor e juros mais baixos, o Tesouro economiza muitos bilhões na administração de sua dívida. Mas é indispensável pensar em como essa melhora foi obtida. Outros fatores podem ter contribuído, mas o recuo da inflação resultou, até agora, principalmente de três fatores: a política monetária muito apertada, a recessão (com desemprego e redução do consumo) e a melhora do mercado de alimentos, passado o impacto da seca.

Falta vencer o maior obstáculo à estabilidade de preços, o desarranjo das contas públicas. Se o governo alcançar a meta fiscal deste ano, ainda haverá um déficit primário (sem juros) de R$ 139 bilhões. Será preciso um novo aperto em 2018, ano de eleição. Algum crescimento econômico poderá facilitar a tarefa, gerando mais impostos, mas o trabalho continuará enorme e difícil.

Se o ajuste empacar, o BC poderá interromper ou retardar o corte de juros, porque o cenário fiscal é uma referência importante para a política monetária. O cenário fiscal inclui a agenda de reformas. Falta consolidar com esses fatores o progresso contra a inflação. Dessa consolidação dependerá o ritmo – ou mesmo a continuação – do afrouxamento dos juros. As principais incógnitas são políticas. Avanços importantes serão perdidos, se a política da mediocridade prevalecer.