Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Inflação e complacência

Exclusivo para assinantes
Por Redação
Atualização:
2 min de leitura

O cenário da inflação piorou, tanto nas projeções do Banco Central (BC) quanto nos cálculos do setor privado, mas, ainda assim, o Comitê de Política Monetária (Copom) decidiu por 6 votos a 2 manter os juros básicos em 14,25%, como havia feito em janeiro. Este é um dos pontos mal explicados na ata da última reunião do comitê, realizada nos dias 1 e 2. Falta uma justificativa clara e convincente para a decisão sobre os juros, mas o documento menciona de forma inequívoca a piora das previsões e as dúvidas sobre as contas públicas. O Copom reuniu-se duas vezes neste ano. Entre uma e outra passou de 7% para 7,57% a estimativa do mercado para a alta do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). O relatório omite os números do novo cenário do Copom, mas deixa clara a elevação das taxas esperadas para este e para o próximo ano.

No cenário revisto, os preços administrados e monitorados devem subir 5,9%. A estimativa anterior apontava uma alta de 6,3%. As tarifas de energia elétrica devem diminuir 3,5% e esse é um dos componentes positivos do quadro. A taxa de câmbio prevista foi mantida em R$ 3,95 por dólar, sem, portanto, maiores pressões desse lado. Além disso, espera-se moderação “na dinâmica dos preços de commodities”. Enfim, os economistas do BC tomam como pressuposto o alcance da meta fiscal do ano, um superávit primário – sem os juros – igual a 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB).

A inclusão desse pressuposto, no entanto, é um gesto diplomático, uma cortesia à presidente e ao ministro da Fazenda. Tecnicamente, é uma decisão irrealista e esse detalhe fica bem claro em outras passagens da ata. Há um fosso entre o cenário central e os fatos observados. Os autores da ata chamam a atenção para “alterações e indefinições significativas na trajetória de geração de resultados primários”. Esses fatores e as expectativas de inflação “contribuem para criar uma percepção negativa”, do ambiente macroeconômico.

Os autores poderiam ter sido menos caridosos nesse comentário. As tais “alterações e indefinições” foram alegadas de alguma forma por três grandes agências de classificação, desde o ano passado, para rebaixar o crédito brasileiro ao grau especulativo. Não há no texto referência a esse detalhe.

O documento ainda menciona outros fatores de pressão inflacionária. A menor expansão do crédito ao consumo é um dado positivo, já mencionado em outras atas. Mas, apesar do desemprego e da menor pressão por salários mais altos, “a dinâmica salarial permanece originando pressões inflacionárias de custos”. Também reaparece a expectativa de reequilíbrio do mercado, com mais investimentos e menor pressão de consumo. Mas essa recomposição apenas começa.

Resumo: avaliando a conjuntura e as perspectivas, “o Copom considera que remanescem incertezas associadas ao balanço de riscos, principalmente quanto ao processo de recuperação dos resultados fiscais e sua composição, ao comportamento da inflação corrente e às expectativas de inflação”. Nada animador, mas a maioria dos membros do Copom preferiu continuar em ritmo de espera, “considerando as incertezas domésticas e, principalmente, externas”.

Medo de agravar a recessão e tornar o País mais vulnerável a um choque externo? Pode ser, mas com isso o Copom elimina, ou enfraquece perigosamente, a única âncora das expectativas. A outra, a política fiscal, já foi perdida.

Mas a recessão é também um fator positivo no cenário dos preços. O texto menciona um “hiato do produto mais desinflacionário que o inicialmente previsto”. O hiato é a diferença entre a produção efetiva e a potencial, isto é, realizável sem maior desajuste. Apesar disso, a inflação permanece muito alta e as projeções correntes indicam uma taxa superior a 7% neste ano. A desaceleração de janeiro para fevereiro, com redução da taxa mensal de 1,27% para 0,9%, é compatível com esse quadro. Falta o Copom explicar como cumprirá a promessa de levar a inflação do ano para baixo do limite de tolerância de 6,5%.