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Inquérito de regras peculiares

Prorrogar por 60 dias o inquérito sobre o Decreto dos Portos causa grave prejuízo ao País

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Por Redação
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Além de ser um desrespeito ao processo penal, a decisão do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, de prorrogar por mais 60 dias o inquérito a respeito de supostas ilegalidades na edição do Decreto dos Portos (Decreto 9.048/2017) causa grave prejuízo ao País. Ela mantém o presidente da República sob a suspeita de prática criminosa, sem que haja elementos que justifiquem tal grave situação. Se até agora não foi encontrado nada que autorize a propositura de uma ação penal, é caso de arquivar o inquérito, e não de prorrogá-lo, como foi determinado na segunda-feira passada.

Num Estado Democrático de Direito, inquérito policial deve ter prazo certo. Nenhum cidadão pode ser mantido indefinidamente sob suspeita, com o emprego da força estatal na tentativa de descobrir eventualmente algo desabonador contra si. Inquérito é instrumento de investigação, não de perseguição pessoal.

O Código de Processo Penal estabelece que “o inquérito deverá terminar no prazo de 10 dias, se o indiciado tiver sido preso em flagrante, ou estiver preso preventivamente, contado o prazo, nesta hipótese, a partir do dia em que se executar a ordem de prisão, ou no prazo de 30 dias, quando estiver solto, mediante fiança ou sem ela”. Nos casos de “difícil elucidação, e o indiciado estiver solto, a autoridade poderá requerer ao juiz a devolução dos autos, para ulteriores diligências, que serão realizadas no prazo marcado pelo juiz”.

Como se vê, o Direito fixou limites precisos para a tarefa de investigação do Estado. No entanto, o Inquérito 4.621 vem recebendo um tratamento peculiar. Ele foi proposto em setembro do ano passado. Na ocasião, já tinha 19 volumes e 2 apensos. Agora, oito meses depois, recebe nova prorrogação por mais 60 dias, e, até o momento, a investigação não foi capaz de produzir nenhum elemento que confirme a materialidade e a autoria dos alegados crimes.

Até aqui, o inquérito dos portos serviu para um único objetivo: produzir uma espetacular sequência de vazamentos, todos seletivamente parciais. Nada do que veio à tona comprovou a prática de crimes, mas foi de grande serventia para quem desejava turbulência política e pretendia enfraquecer o governo no cumprimento de sua agenda de reformas.

Toda condução de inquérito deve ser cuidadosa, especialmente se envolve o presidente da República. Neste caso, está em jogo não apenas a honra pessoal do investigado, o que, num país civilizado, é motivo mais que suficiente para uma atuação prudente das autoridades policiais. A condução de investigação envolvendo um presidente da República afeta a estabilidade do país. Descuidos nessa seara produzem efeitos deletérios nas instituições, na economia, na população.

O presidente da República não deve receber nenhum tratamento privilegiado. Se eventualmente infringiu a lei, ele deve responder, no estrito cumprimento do que manda a legislação, por suas ações. Mas é preciso reconhecer que a igualdade de todos perante a lei também proíbe que um inquérito policial seja usado para fins políticos ou que o seu rumo seja ditado por idiossincrasias pessoais. O critério para todos, por força do princípio da igualdade, é a lei, e não a vontade pessoal. Logicamente, tal regra também se aplica às autoridades que se julgam intérpretes especiais da opinião pública.

Sejam quais forem os envolvidos no Inquérito 4.621, ele deve seguir o trâmite legal. Se o Código de Processo Penal determina que o inquérito tenha prazo certo, eventual prorrogação da investigação deve estar devidamente fundamentada pela autoridade judicial. No caso, o ministro Luís Roberto Barroso entendeu que era suficiente dizer que deferia a “prorrogação do prazo pleiteada pela autoridade policial federal por 60 dias para a ultimação das diligências”.

Deixa-se, assim, o País à mercê da “ultimação das diligências”. Não se pode chamar isso de normalidade institucional ou de combate à impunidade. É tão somente um caso de arbítrio.