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Inteligência, e não truculência

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Por Redação
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Bastou que a poeira dos interesses eleitorais baixasse, um dia depois do segundo turno em São Paulo, para que o governo do Estado, premido por uma das maiores ondas de violência na capital nos últimos tempos, deflagrasse uma grande Operação Saturação na Favela de Paraisópolis, a segunda maior da cidade. Oficialmente, conforme nota da Secretaria da Segurança Pública, o objetivo é reduzir furtos e roubos na região, apreender armas e drogas, atacar o narcotráfico e, "como consequência, aumentar a sensação de segurança da população de Paraisópolis, que tem cerca de 80 mil habitantes". No entanto, como mostrou o Estado (30/10), Paraisópolis registrou apenas um homicídio em setembro e teve queda no número de roubos e furtos em relação a agosto. O secretário de Segurança Pública, Antônio Ferreira Pinto, deixou escapar que a verdadeira meta em Paraisópolis talvez seja outra: segundo ele, foi dessa favela, reduto da organização criminosa PCC, que "emanaram algumas ordens" para assassinar policiais militares (PMs) em São Paulo.É a primeira vez que as autoridades do Estado admitem que o PCC está por trás de pelo menos uma parte dos quase 90 assassinatos de PMs ocorridos apenas neste ano. Até agora, o discurso minimizava o papel do crime organizado na atual onda de violência - a Grande São Paulo teve quase 60 homicídios só na última semana de outubro. Ferreira Pinto chegou a acusar a imprensa de "glamourizar" o PCC e de dar importância excessiva à facção - que, para ele, se limita a "30 ou 40 indivíduos que estão presos há muito tempo e se dedicam ao tráfico". O governador Geraldo Alckmin, por sua vez, atribuiu o aumento dos homicídios em São Paulo a "acerto de contas" entre traficantes.Na prática, a operação em Paraisópolis atacou um dos nervos do PCC em São Paulo. A favela é base da facção para o tráfico de drogas, negócio que constitui 80% de sua renda. É também esconderijo de alguns de seus principais líderes. Um deles, Francisco Antonio Cesário da Silva, o Piauí, chefe do tráfico na região, foi preso em 26 de agosto passado pela Polícia Federal em Itajaí (SC). Embora não admita que o assassinato de policiais militares seja uma ação coordenada do crime organizado, Ferreira Pinto acredita que tenha partido de Piauí a ordem para matar ao menos seis policiais militares. A operação da PM prendeu Edson Santos, o Nenê, considerado o braço direito de Piauí. Segundo o deputado Major Olímpio, ele teria dito aos policiais que a ordem do PCC é matar um PM para cada integrante da facção preso e dois para cada bandido morto. Em junho, escutas da Polícia Civil indicaram que os bandidos em Paraisópolis estavam arrecadando R$ 300 de cada um dos integrantes do PCC, os "irmãos", para os ataques.Em vista disso, parece claro que, se os agentes de segurança pública tinham alguma intenção de frear a ofensiva do PCC, Paraisópolis era um bom lugar para começar. A demonstração de força foi inequívoca: a PM mobilizou 600 homens da Tropa de Choque e usou 100 carros, 28 motocicletas, 60 cavalos e 1 helicóptero. Em poucas horas, foram presos 8 suspeitos e apreendidos 10 quilos de cocaína e 125 quilos de maconha, além de armas de fogo e munição. No entanto, tal intervenção inevitavelmente cria atritos - moradores reclamaram que não foram avisados com antecedência e se assustaram com os PMs fortemente armados. Em 2009, numa operação semelhante em Paraisópolis, que durou 82 dias, os moradores também se queixaram de abuso policial.A atual ofensiva, que não tem data para acabar, "é só a primeira de outras que devem ser feitas pela PM para combater a onda de homicídios", disse Ferreira Pinto. Consciente do peso que a atual sensação de violência tem para os paulistanos, Alckmin admitiu que a cidade vive "um momento de maior estresse" e usou a Operação Saturação em Paraisópolis como exemplo de que o governo não está indiferente. Espera-se, no entanto, que a reação das autoridades a esse estado de coisas se revista principalmente de inteligência, e não de mera truculência, com ações de grande impacto midiático, mas de efeitos limitados.