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Invadindo terreno alheio

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Por Redação
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O Congresso Nacional e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) estão a caminho de se desentender. Os parlamentares criticam o ativismo judicial da Corte presidida pelo ministro do STF Antonio Dias Toffoli - e as suas queixas procedem. Já na reta final da disputa pelo Planalto, proibiu-se a ida ao ar de mais de uma dezena de peças de propaganda, sob o argumento de que, em vez de "propositivas", como deveriam ser se obedecessem estritamente à letra da legislação, continham ataques ao adversário. Isso, no dizer de Toffoli, degradaria a competição eleitoral no que chamou "baile de risca-faca". À época, sustentou-se neste espaço que a iniciativa, apesar da motivação louvável, configurava censura política e descrença na capacidade do eleitorado de punir nas urnas, ele próprio, a baixaria.Passadas duas semanas do segundo turno, o mesmo Toffoli indica que o TSE poderá alterar parte das normas que regem a competição pelo voto para "estabelecer alguns pontos que as eleições deixaram de ensinamento". Ele assegura que a Justiça Eleitoral não pretende desconsiderar as prerrogativas do Legislativo, tanto que já teria começado a tratar da matéria com a cúpula da Câmara e do Senado. Ao mesmo tempo ressalta que a experiência credencia os seus pares a apresentar "sugestões" de mudanças legislativas. Mas o anunciado recurso à edição das chamadas súmulas - destinadas em princípio a aplainar decisões contraditórias tomadas por tribunais regionais durante a campanha - pode levar o TSE a invadir seara alheia.É o caso da imposição da propaganda propositiva por que Toffoli se bate, restringindo o confronto aberto de ideias, valores e qualificações entre os candidatos.Em um ponto, porém, parlamentares e juízes coincidem - e isso é um mau sinal. Os dois lados defendem a adoção de regras mais rígidas para a divulgação de pesquisas eleitorais, quando não a sua proibição nos 15 ou 20 dias anteriores ao primeiro turno. Os políticos alegam, com desconhecimento de causa ou, provavelmente, em causa própria, que as urnas podem não respaldar os resultados das sondagens publicadas até mesmo no dia da votação - como se estas quisessem antecipá-los e não apenas registrar o que vai pela cabeça do eleitor na data em que foi entrevistado.Faz anos, ou décadas, que os políticos tentam proibir a divulgação de pesquisas no fecho das campanhas. Se o conseguirem, privarão a sociedade de conhecer, nessa etapa literalmente decisiva, a evolução das preferências dos concidadãos. Sem números a contestá-los, os candidatos estarão à vontade para cantar vitória até a sua derradeira aparição no horário de propaganda. A mordaça nos números evidentemente não fará com que os partidos e demais interessados deixem de encomendar os seus próprios levantamentos, tantos quantos o seu dinheiro for capaz de comprar. Só o incauto eleitor estará condenado à ignorância.Há quem raciocine, de boa-fé, que as pesquisas influem nas escolhas de cada qual diante da urna eletrônica. Influenciado, o eleitor poderia deixar de votar "de acordo com a sua consciência". Não está claro o que a expressão significa. Quanto mais ele estiver informado sobre as inclinações de seus iguais, tanto mais poderá tomar uma decisão conforme os seus interesses, ou seja, consciente. Se souber que o seu candidato corre um risco ponderável de não chegar lá, terá a alternativa de sufragar, entre os rivais viáveis, aquele com o qual mais se identifica - ou de tentar impedir a vitória daquele a quem mais rejeita. É o voto útil, racional, que leva em conta, além das convicções íntimas, o cenário que as rodeia.As pesquisas são um meio para uma eventual escolha realista - sem tolher a preferência de ninguém a um candidato fadado a perder. Restam dois argumentos pelas restrições às pesquisas. Um é que encarecem as disputas. É verdade, mas o veto a que se divulguem os seus dados até em cima da hora do pleito não bloqueia a sua realização - só que para consumo exclusivo da minoria afetada direta ou proximamente pelo desfecho da contenda. Outro argumento é que pesquisas podem ser fraudadas. É verdade também, mas o próprio mercado seleciona os institutos confiáveis. É o que o retrospecto comprova.