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Irresponsabilidade fiscal

A crise fiscal, que compromete as ações do poder público em todos os níveis administrativos, não comove os deputados estaduais paulistas

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Por Redação
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O apoio que o pedido de aceleração da tramitação do projeto que aumenta o teto dos vencimentos dos funcionários públicos estaduais recebeu de 20 dos 21 líderes de bancadas na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo mostra a que ponto chegou a leviandade com que os chamados representantes do povo lidam com o dinheiro do contribuinte. A crise fiscal, que compromete as ações do poder público em todos os níveis administrativos, não comove os deputados estaduais paulistas. Mesmo com a grave escassez de recursos financeiros, insuficientes para manter em condições adequadas serviços essenciais como segurança pública e saúde, eles querem abrir caminho para o aumento dos vencimentos de um grupo de servidores que já gozam de vantagens em relação à grande massa do funcionalismo estadual.

A medida, se aprovada, poderá gerar despesas adicionais de até R$ 1 bilhão dentro de três anos e levar o governo do Estado a romper os limites prudenciais definidos na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

Pela Constituição estadual, o teto de vencimentos é diferente para os funcionários dos Três Poderes e para algumas carreiras. No Executivo, corresponde ao salário do governador do Estado; para os funcionários do Legislativo, a remuneração não pode exceder o subsídio dos deputados estaduais; e para os funcionários do Poder Judiciário e do Ministério Público, bem como para procuradores e defensores públicos, o limite é o salário dos desembargadores.

Em 2014, para evitar que a folha de pessoal tornasse ainda mais grave a crise fiscal que já se prenunciava, o governador Geraldo Alckmin decidiu congelar seus vencimentos, os do vice-governador e os dos secretários de Estado. Em decorrência da norma constitucional em vigor, essa medida implicou o congelamento também do teto salarial dos funcionários do Executivo.

Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do Estado apresentada em junho do ano passado pelo deputado Campos Machado (PTB) – que integra a base de apoio ao governador Geraldo Alckmin na Assembleia – unifica o teto para todos os servidores pelo maior valor vigente, que é o vencimento dos desembargadores. Pelos valores atuais, isso significa que o salário mais alto que um funcionário do Executivo pode receber passará de R$ 21.631,11, que é a remuneração do governador do Estado, para R$ 30.471,11, que é o teto oficial da remuneração dos membros do Tribunal de Justiça do Estado.

O PT, espertamente, encampou o projeto de um deputado da base governista, alegando, como fez seu líder, deputado Alencar Santana Braga, que a mudança “valoriza o servidor público”. Na verdade, a mudança da norma constitucional vai propiciar a elevação dos salários das carreiras mais bem remuneradas do Executivo estadual, como as de agentes fiscais de renda e outras privativas de pessoal com nível superior. O fato de o projeto não beneficiar outras categorias do funcionalismo, especialmente as que têm remuneração menor, é um dos argumentos que o governador invoca para combatê-lo.

Alckmin também adverte que não há recursos para cobrir o aumento, mesmo que, de acordo com a proposta de Campos Machado, ele seja concedido de maneira escalonada, até alcançar a totalidade no prazo de três anos. Neste ano, as despesas com pessoal podem chegar a 46,3% da receita corrente líquida do Estado, muito próximo do limite prudencial fixado pela Lei de Responsabilidade Fiscal, de 46,55%. Ultrapassado esse limite, o governo terá de adotar medidas corretivas.

A proposta de Campos Machado já passou pela Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia paulista e aguarda votação em plenário, em dois turnos. O presidente da Assembleia, deputado Cauê Macris (PSDB), disse que não vai colocar o projeto na pauta, para que São Paulo não repita a crise vivida pelo Rio de Janeiro. Para forçar a votação do projeto, seu autor já recorreu à Justiça, e perdeu. Mas o perigo permanece, pois, em algum momento, sua insistência em votar a mudança pode ter êxito.