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Isso é que é impunidade

O caso de Maluf é digno das antologias de direito, como paradigma da Justiça que tarda e falha

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Por Redação
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Em seu perfil no Twitter, Paulo Maluf aparece sorridente. Não é apenas o sorriso de quem vive de sorrir para conquistar o eleitor. É o sorriso de quem parece ter certeza de que, aconteça o que acontecer, a Justiça brasileira dificilmente o alcançará. Tanto é assim que, nessa mesma rede social, o deputado escreveu: “Não só não estou na Lava Jato e na lista do Janot, como não estou no mensalão”. Aquele cujo nome um dia entrou para o léxico popular como sinônimo de ladravaz sente-se muito à vontade para pilheriar dos políticos enrolados nos diversos escândalos de corrupção da era lulopetista, pois não figura em nenhum deles. E também não parece preocupado com os muitos processos que contra ele correm nos tribunais. Mas, pensando bem, por que deveria?

Na terça-feira passada, a 1.ª Turma do Supremo Tribunal Federal finalmente deu início ao julgamento de uma das quatro ações que correm naquela Corte contra Maluf, algumas delas com mais de dez anos de idade – como é o caso em questão, no qual Maluf é acusado de lavar “quantias vultosas” desviadas de obras públicas e de remetê-las ilegalmente ao exterior em 1997 e 1998, quando estava na Prefeitura de São Paulo. A denúncia diz que o hoje deputado continuou a participar diretamente do esquema nos anos seguintes, até pelo menos 2006. A “fonte primordial”, como informou o Ministério Público, foi a construção da Avenida Água Espraiada. No total, estima-se que o prejuízo aos cofres paulistanos tenha alcançado US$ 1 bilhão.

Por esse mesmo caso, a Justiça da França condenou o ex-prefeito a três anos de prisão em março passado. De acordo com a sentença da 11.ª Câmara do Tribunal Criminal de Paris, Maluf e familiares organizaram um estratagema para esconder a origem do dinheiro desviado das obras, enviado a empresas offshore e contas bancárias no exterior – Suíça, Ilha de Jersey, Estados Unidos e França.

No Supremo, o caso foi relatado pelo ministro Edson Fachin. Das acusações apresentadas – formação de quadrilha, corrupção passiva, evasão de divisas e lavagem de dinheiro –, apenas a de lavagem de dinheiro sobreviveu à prescrição. Na interpretação de Fachin, o prazo de prescrição para crime de lavagem de dinheiro com ocultação só começa a contar a partir da última data em que houve movimentação do dinheiro desviado. Na ação avaliada, essa movimentação se deu em maio de 2006. Como a denúncia foi parcialmente recebida pelo Supremo em 2011, o crime só prescreverá em 2019.

Maluf conta com a prescrição. O octogenário político não poderá mais ser condenado por corrupção nem por formação de quadrilha, embora o relatório do ministro Edson Fachin deixe claro que não há dúvida sobre os crimes imputados a Maluf. “Ante o exposto entendo devidamente constatada a materialidade bem como a autoria do réu Paulo Salim Maluf que, entre os anos de 1998 e 2006, de forma permanente, ocultou e dissimulou vultosos valores oriundos da perpetração do delito de corrupção passiva, utilizando para isso diversas contas bancárias e fundos de investimento situados na Ilha de Jersey, abertos em nome de empresas offshore, notadamente nos bancos Deutsche Bank e Citibank, com evidente objetivo de encobrir a verdadeira origem, natureza e propriedade dos referidos aportes financeiros, configurando assim, em meu modo de ver, a prática de crime de lavagem de dinheiro”, escreveu Fachin. “De tudo que foi exposto, ressai claro que a conduta do acusado foi dolosa, ou seja, agiu consciente e voluntariamente visando a ocultação e a dissimulação da origem criminosa dos valores que movimentou e manteve ocultos no exterior até, pelo menos, o ano de 2006.”

O julgamento foi suspenso e deverá ser retomado no próximo dia 23, quando então possivelmente o ministro Fachin dirá que pena julga adequada ao caso. Mas a defesa de Maluf, é claro, não se dá por vencida. “Ainda há uma grande discussão jurídica pela frente”, disse seu advogado. De fato, o caso de Paulo Maluf é digno de figurar nas antologias de direito, como paradigma da Justiça que tarda e falha.