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Opinião|Jonas

Atualização:

Quando Deus veio a Jonas, instando-o a dirigir-se a Nínive para clamar "contra ela, porque sua maldade subiu à (Sua) presença", a maldade referida era a dos pecados cometidos por seus habitantes. Na tradição profética a missão do mensageiro de Deus consistia em produzir o arrependimento que seria seguido do perdão divino. O que hoje está acontecendo nessa mesma região remete a outro tipo de maldade, a de terroristas islâmicos, abrigados num autointitulado Estado Islâmico do Iraque e do Levante, Isil na sigla em inglês, que procura impor a ferro e fogo sua cruel interpretação da Sharia. Para eles, outras religiões constituem algo por si mesmo imperdoável. Esse grupo se apoia no seguinte tripé da intolerância a outras religiões: abandono de casas e bens, conversão ou execução, com preliminares violentas como a matança de homens e o estupro de mulheres. Qualquer culto que se oponha a seus desígnios se torna imediatamente objeto dessa forma de terror. Quando o Mausoléu de Jonas foi destruído, há poucas semanas, observávamos o prenúncio do que viria a ser a perseguição sistemática de cristãos, yazidis e muçulmanos xiitas. Note-se que essa população cristã é uma das mais antigas do mundo, sendo constituída por poucas centenas de milhares de pessoas. Seu êxodo é já superior a 100 mil crentes, fugindo da morte e da violência. Não é melhor o destino da comunidade yazidi, cuja religião de tipo monoteísta é formada por um sincretismo entre zoroastrismo, islamismo, cristianismo e judaísmo. Não importa, pois eles caem sob a rubrica dos "infiéis", dos que devem ser extintos. Sua população fugiu para as montanhas e dezenas de crianças já foram mortas, enquanto 40 mil adultos estão, sem água e comida, à beira da morte. Note-se que o Mausoléu de Jonas foi objeto de profanação precisamente por exprimir o reconhecimento de um profeta venerado por judeus, cristãos e muçulmanos. Na Bíblia, Deus lá aparece como magnânimo e benevolente, o que confere a esse livro uma significação particularmente ecumênica. Isso é intolerável para o terror islâmico. Quem não segue seus preceitos se torna um infiel. Infiéis são cristãos, judeus, yazidis e muçulmanos de outras orientações. Nada muito diferente do que foi visto no Afeganistão quando o Taleban também destruiu belas esculturas budistas, consideradas como heréticas. Nada tampouco diferente do Estatuto do Hamas quando prega a exterminação dos judeus da face da Terra e a perseguição dos cristãos. O tronco é o mesmo, a diferença reside nos ramos que se desenvolveram segundo as peculiaridades de cada região. Al-Qaeda, Taleban, Irmandade Muçulmana, Isil e Hamas são apenas ramificações de uma mesma doutrina, baseada no culto da morte e da violência. Em alguns casos, o culto da morte não se manifesta somente no assassinato sistemático dos infiéis, não poupando crianças e mulheres, mas na educação dada às suas próprias crianças, formadas no ódio aos "infiéis" e para se oferecerem ao "martírio". A leitura dos Estatutos do Hamas pode ser, nesse sentido, muito ilustrativa. Seria interessante que os esquerdistas que os defendem incorporassem essas "premissas da morte" no programa de seus partidos. Teriam, ao menos, o mérito da coerência, em vez de propagarem as mentiras do terror. Particularmente eloquentes são as estatísticas que vêm sendo apresentadas de mortes de palestinos em Gaza. Mais de 1.800 pessoas teriam lá morrido, supostamente por ataques "indiscriminados" de Israel. Curioso é que as fontes utilizadas são o Ministério da Saúde do Hamas e a ONU na região. Ou seja, é o próprio Hamas que fornece as cifras que são simplesmente transmitidas pelas agências de notícias, quando deveriam saber que a especialidade dessa organização terrorista consiste na manipulação da verdade. O terror tem na mentira um instrumento de sua dominação. O mesmo vale para a ONU, de nenhuma credibilidade na região. Três escolas - deve haver outras - já foram descobertas como abrigos de foguetes, o que foi denunciado por um funcionário da própria organização. Uma clínica da ONU foi construída com explosivos dentro das paredes, para serem detonados quando da entrada de soldados israelenses. O que efetivamente aconteceu, com a morte de três deles. Atente-se para o fato de que a estatística apresentada é veiculada de maneira a produzir a percepção de que as Forças Armadas de Israel teriam como alvo os civis. A seguir esse raciocínio, teríamos a conclusão esdrúxula e hilária de que os combatentes do Hamas não teriam morrido ou, talvez, nem mesmo existido. Israel estaria lutando contra moinhos de vento! Israel calcula que em torno de 50% dos mortos são membros do Hamas. Boa parte dos civis morreu por serem eles usados como escudos humanos, pois os terroristas se escondem em abrigos, os túneis, enquanto enviam sua própria população civil para o martírio. Se Israel tivesse os civis como alvos, não faria o combate por terra, que procura evitar precisamente a morte deles. Arrasaria cidades, como foi a prática na 2.ª Guerra Mundial. A BBC e o New York Times estão, agora, produzindo uma revisão geral dessas estatísticas por sua inconsistência e reduzida credibilidade. Aliás, nestes dias foi descoberto um Manual do Terror em que o próprio Hamas reconhece a utilização de escudos humanos e até mesmo o caráter moral das Forças Armadas israelenses, que, ao preservarem os civis, põem seus próprios soldados em situação de risco. Tornam-se, assim, alvos do terror. O Isil tem em relação ao Hamas o mérito da coerência e, de certa maneira, da "honestidade". Diz claramente que procura converter e executar os infiéis (cristãos, yazidis e xiitas), enquanto a organização de Gaza é dissimulada, procura abusar da boa-fé dos ocidentais não judeus, apesar de visar igualmente os cristãos. Colocam-se como "vítimas", quando são os agentes do terror e da intolerância.Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na UFRGS. E-Mail: denisrosenfield@terra.com.br.

Opinião por Denis Lerrer Rosenfield