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Opinião|Jornada dos jovens na Polônia

Atualização:

Já se passaram três anos desde a memorável Jornada Mundial da Juventude do Rio de Janeiro, em julho de 2013. A multidão oceânica de jovens em movimento pelas ruas e praças da cidade ou concentrada na orla de Copacabana, para os encontros com o papa Francisco, foi protagonista de cenas e imagens de grande beleza e vivacidade. A próxima jornada será na Polônia.

De 24 a 31 deste mês de julho, em Cracóvia, cidade onde São João Paulo II foi bispo e cardeal antes de ser eleito papa, em 1978, os jovens poderão continuar a receber as bênçãos de “São João de Deus”, que durante todo o seu pontificado os procurou e amou; foi ele, de fato, que instituiu, há 30 anos, as Jornadas Mundiais da Juventude.

A jornada da Polônia vai ser realizada numa Europa em ebulição, com novas e preocupantes questões a enfrentar, como o desafio das migrações e dos refugiados, a persistente crise econômica em vários países, o reaparecimento de antigos fermentos de intolerância e a ameaça de desintegração da União Europeia – já sinalizada, de alguma forma, no resultado do plebiscito sobre a permanência do Reino Unido na União. A tudo isso se acrescenta o temor difuso de atentados terroristas.

Nesse contexto nebuloso, que mensagem a jornada poderá transmitir aos jovens?

O lema da Jornada – “bem-aventurados os misericordiosos porque alcançarão misericórdia” (Mt 5,7) – retrata uma das bem-aventuranças do Evangelho. A misericórdia está no coração da mensagem cristã e faz parte da própria essência de Deus. Já ensinava São Tomás de Aquino que é próprio de Deus ser misericordioso e sua onipotência se manifesta, de modo especial, na misericórdia. Ao contrário do que se poderia pensar, também para as pessoas a misericórdia não é sinal de fraqueza, mas de grandeza de alma.

A fé cristã ensina, em comum com a tradição judaica, que Deus “é paciente e misericordioso” com os pecadores e está próximo de todo aquele que sofre (cf Sl 102/103, 3-4). Para ele se volta o coração humano, confiante e agradecido: “O Senhor livra os prisioneiros, o Senhor devolve a vista aos cegos, o Senhor levanta quem caiu, o Senhor ama os justos, protege os estrangeiros, ampara o órfão e a viúva” (Sl 145/146, 3.6). A misericórdia de Deus não é uma ideia abstrata, mas uma realidade traduzida em ações, que revelam seu amor como o de um pai ou de uma mãe pelo filho.

Para os cristãos, Jesus é “o rosto da misericórdia de Deus” (“Misericordiae vultus”). Rodeado de doentes e sofredores de todo tipo, de pobres, humilhados e desprezados neste mundo, de pessoas angustiadas e enlutadas, ele teve compaixão por todos e assumiu em seu próprio coração as dores e angústias da humanidade: “Olhando para as multidões, Jesus teve pena delas, porque eram como ovelhas sem pastor” (Mt 9,36). A figura do bom samaritano (cf Lc 10,29-37) reflete bem essa atitude misericordiosa e compassiva de Jesus em relação à humanidade.

O encontro da juventude com o papa Francisco se dá no Ano Santo extraordinário da Misericórdia, que a Igreja Católica celebra desde dezembro de 2015; entre as muitas iniciativas propostas aos jovens vindos de muitíssimos países estão os “encontros da misericórdia” com Deus e com as pessoas necessitadas de misericórdia.

A jornada é proposta aos jovens como uma peregrinação e serão dois os pontos de referência mais significativos. Um é o santuário da Divina Misericórdia, em Cracóvia, onde Santa Faustina Kowalska, bem conhecida de São João Paulo II, viveu experiências místicas extraordinárias e transmitiu suas mensagens sobre a misericórdia do Deus. Os jovens terão ali a oportunidade de conhecer testemunhos marcantes sobre a misericórdia que restaura e faz viver e também de fazer a experiência da misericórdia.

A outra referência de peregrinação será o campo de concentração e extermínio de Auschwitz, ali perto. Nele se preserva a memória das atrocidades cometidas contra milhões de judeus e outros cidadãos, exterminados pela discriminação e pela fúria cega do regime nazista. Esse lugar continua a lembrar o obscurecimento da razão humana, o endurecimento do coração e a total perda do senso de justiça e de misericórdia. Faltando esses sentimentos, o coração torna-se árido e capaz de matar, sem piedade.

A peregrinação dos jovens a Auschwitz servirá não só para reverenciar as vítimas do holocausto, mas também para ouvir no coração a advertência silenciosa e forte das vítimas: nunca mais aconteça coisa semelhante! O próprio papa Francisco também quer peregrinar ao campo de extermínio, sem muitas palavras ou holofotes: o próprio lugar já é uma mensagem eloquente e constante à consciência da humanidade. Marcados pelas cenas da ausência da misericórdia, esses jovens poderão ser mensageiros do respeito e da tolerância, da justiça e da paz em seus países.

O ensinamento cristão exorta a acolher com humildade a misericórdia de Deus e à prática diária das obras de misericórdia corporais e espirituais: dar de comer a quem tem fome, de beber a quem tem sede, abrigar quem está sem casa, vestir quem está sem roupa ou com frio, cuidar dos doentes, visitar os prisioneiros, consolar os aflitos, confortar os angustiados, orientar os que perderam o rumo na vida, ensinar o caminho justo, suportar as fraquezas alheias... O coração atento e sensível à dor e às necessidades do próximo levará à prática de muitas outras obras semelhantes.

Poderão as mensagens sobre a misericórdia interessar aos jovens da jornada na Polônia e do mundo inteiro? Penso que sim. O mundo está carente de misericórdia e o futuro da convivência humana está na mão deles. Numa cultura marcada por fechamentos individualistas e discriminações, que levam ao ódio e à violência, o bálsamo da misericórdia é mais do que nunca necessário.

É CARDEAL-ARCEBISPO DE SÃO PAULO

Opinião por Dom Odilo P. Scherer