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Opinião|Lava Jato: custo-benefício, quem paga e quem ganha

Autoridades deveriam fazer essa análise, para aperfeiçoamento das próximas ações

Atualização:

A análise de custos e benefícios guia tomadas de decisão de órgãos estatais nos EUA ao menos desde 1939, quando a Lei de Controle de Inundações (Flood Control Act) determinou que a administração pública pesasse custos e benefícios das suas ações, devendo os benefícios para a sociedade ser superiores aos gastos estimados. Em 1981, o presidente Ronald Reagan incluiu a metodologia na Ordem Executiva 12291, que foi aperfeiçoada para racionalizar e orientar decisões governamentais eficazes.

Se tal método de avaliação lá se tornou obrigatório, aqui parece que nunca foi usado, adotando as autoridades brasileiras princípio oposto: todo e qualquer custo justifica-se para suas ações, sem avaliar que o ônus recai sobre a própria sociedade, pois os contribuintes é que financiam o serviço público, sofrendo as classes mais baixas as maiores perdas causadas por decisões públicas errôneas. Logo, nenhuma política pública deveria se furtar à análise de custo-benefício, ainda que subsidiariamente, para embasar tomadas de decisão.

Dificuldades concretas existem na obtenção dos dados necessários e na adoção de critérios para a estimação de custos e benefícios, como em políticas envolvendo meio ambiente e vidas humanas, por sua difícil e controversa precificação. Mas tais complicações são menores nas decisões de combate à corrupção, pois recursos desviados do Estado ou de companhias têm natureza pecuniária e, portanto, de mensuração relativamente fácil.

Seria conveniente que autoridades públicas fizessem exercício de apuração dos custos e benefícios gerados pela Lava Jato, para aperfeiçoamento das próximas ações. Numa abordagem realista, deve-se englobar todos os custos do seu funcionamento e benefícios auferidos, diretos e indiretos.

Os custos diretos abrangem gastos com capital humano, ou seja, a remuneração de todos os servidores públicos alocados (procuradores, juízes, delegados, policiais, técnicos judiciários, etc.), e os gastos materiais (custos de depreciação de veículos utilizados, de aparelhos e equipamentos eletrônicos empregados, de tornozeleiras eletrônicas, combustível, etc.). Devem ser contabilizadas despesas para manter presos os criminosos – doleiros, políticos, empresários e outros –, que comem, bebem e dormem em presídios custeados pelos contribuintes.

Custos indiretos incluem as perdas consequentes da operação: a interrupção do andamento de reformas importantes, tal como a da Previdência; a volatilidade imposta aos mercados financeiro e de capitais, como na divulgação da delação da JBS; e a paralisação econômica até a apreciação da denúncia contra o presidente da República, a qual, aliás, não prosperou por falhas técnicas na produção de provas robustas que convencessem a opinião popular a não se calar e o Congresso a endossar a acusação. O espetáculo circense da delação da JBS conduzido por autoridades públicas impôs custos de dezenas de bilhões de reais aos brasileiros, demonstrando que decisões precipitadas, mesmo para combate à corrupção, não podem nem devem ser tomadas a qualquer custo.

Erros custam caro e são arcados por toda a sociedade, e não por aqueles que os cometeram, amparados na estabilidade funcional, não aplicada a nenhum ocupante de alto posto na iniciativa privada, onde falhas resultantes em prejuízos significativos custam os cargos dos que nelas incorrem.

A Lava Jato, é certo, produziu muitos benefícios, tanto que a opinião pública brasileira em geral os contabiliza como bem superiores aos custos. Os benefícios diretos abarcam a recuperação e a devolução do dinheiro desviado (do erário e de sociedades anônimas de economia mista ou privadas), bem como valores de multas e acordos de leniência pagos por infratores. Na mesma lógica, os benefícios indiretos abrangem os ganhos decorrentes da redução do “custo da corrupção”: maior transparência, aprimoramentos nas relações entre setor público e privado no ambiente de negócios, promoção da igualdade de oportunidade entre empresas competidoras no acesso a contratações e crédito públicos e diminuição de condutas ilegais e busca de vantagens ilícitas na administração estatal.

Sem pretender esgotar a discussão, um dado relevante passou despercebido. Como tudo começou na Petrobrás, é a ela que se deve voltar, sendo natural esperar que o trabalho esteja mais avançado na correção dos problemas a ela atrelados com substanciais benefícios da operação.

Noticiou-se que até julho a petroleira recebeu R$ 716 milhões recuperados pela Lava Jato. Porém, por sua própria informação oficial em junho, a companhia comprometeu-se a pagar US$ 445 milhões de indenização a investidores estrangeiros que adquiriram seus papéis nos EUA. Considerada a taxa de câmbio atual, a petroleira já aceitou despender perante a Justiça americana cerca do dobro do valor recebido da Lava Jato – e sem que o Estado americano tivesse gastos minimamente proporcionais aos do custeio da investigação brasileira, que nessa conta são desprezados.

A julgar por tal dado isolado, mas surpreendente, não é despropositado afirmar que, apesar dos esforços e custos da Lava Jato arcados pelos contribuintes brasileiros, os benefícios já obtidos pela Petrobrás ainda não compensaram sequer as reparações que fará a investidores internacionais. A despeito de hipóteses que expliquem o resultado parcial inusitado, uma conclusão sobressai: examinando os benefícios diretos estritamente da perspectiva da petroleira, alvo central da corrupção, até o presente, a Lava Jato não passaria no teste de política pública desejável perante a metodologia consagrada da análise de custo-benefício. É o popular “nóis paga e eles ganha”. Há muito por fazer, em especial quanto à recuperação e apropriada devolução de recursos.

* ÉRICA GORGA É DOUTORA EM DIREITO PELA USP, FOI PESQUISADORA E DIRETORA DO CENTRO DE DIREITO EMPRESARIAL DA YALE LAW SCHOOL