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Lava Jato e legislação processual

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Por Redação
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As discussões travadas em 2014 nas reuniões da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e Lavagem de Dinheiro (Enccla) estimularam a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) a apresentar ao Congresso a minuta de um projeto de lei que altera o Código de Processo Penal, permitindo a prisão de acusados de crimes graves antes de condenação definitiva pela Justiça. Constituída por 60 órgãos, como Ministério Público, Judiciário, Tribunal de Contas da União, Comissão de Valores Mobiliários, Conselho de Controle de Atividades Financeiras, Banco Central e Agência Brasileira de Inteligência, o Enccla é um sistema de ação articulada dos Três Poderes para o combate à corrupção.A ideia da Ajufe é assegurar "maior eficácia às sentenças condenatórias no processo penal", estabelecendo sanções pecuniárias para quem usar recursos judiciais com o objetivo de retardar a tramitação de ações criminais. "Ao proferir sentença condenatória por crimes hediondos, de tráfico de drogas, tortura, terrorismo, corrupção ativa ou passiva, peculato e lavagem de dinheiro, (...) o juiz decidirá sobre a manutenção ou a imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento da apelação que vier a ser interposta", diz um dos artigos da proposta da entidade.Com apoio dos procuradores da República que atuam na Operação Lava Jato e do juiz federal responsável pelo caso, Sérgio Moro, a Ajufe também propõe que os réus condenados em primeira instância permaneçam presos durante a fase de apelação à segunda instância e aos tribunais superiores. "O condenado deverá ser conservado na prisão, se não tiverem cessado as causas que motivaram a decretação ou a manutenção de sua prisão antes do julgamento", diz a minuta. A entidade lembra que, nos Estados Unidos e na França, as apelações de condenações criminais não têm efeito suspensivo como regra. "Não adianta ter boas leis penais se sua aplicação é deficiente, morosa e errática. No Brasil, contam-se como exceções processos contra crimes de corrupção e de lavagem que alcançaram bons resultados. Em regra, os processos duram décadas para ao final ser reconhecida alguma nulidade arcana ou a prescrição pelo excesso de tempo transcorrido", disse o presidente da Ajufe, Antonio Cesar Bochenek, em artigo escrito em parceria com Moro e publicado no Estado.A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) considerou a proposta inconstitucional. Segundo a entidade, por constituir uma cláusula pétrea, a presunção de inocência prevista pelo inciso LVII do artigo 5.º da Constituição não pode ser modificada nem por meio de Proposta de Emenda Constitucional. O Conselho Federal da OAB também afirma que a Constituição é taxativa ao determinar, no mesmo inciso, que "ninguém será considerado culpado até o trânsito julgado de sentença penal condenatória".A polêmica entre a Ajufe e a OAB, relativa a uma questão técnica de direito penal, mereceu destaque na imprensa por causa da Lava Jato, mas a discussão é antiga. Em muitos países democráticos, a prisão de réus acusados de crimes graves só é permitida depois do julgamento de segunda instância, quando se discute matéria de fato - nos tribunais superiores, os recursos discutem basicamente direito positivo, não examinando provas. "A presunção de inocência, que militaria em favor do réu, fica assim fortemente abalada diante de duas condenações", diz o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Carlos Mário Velloso, que também lembra que esse entendimento foi aceito pela Corte durante décadas.Velloso concorda com a crítica da Ajufe. Aguardar o trânsito em julgado de ações criminais contribui para a impunidade, uma vez que o número exagerado de recursos e a lentidão judicial podem levar à prescrição, afirma. Contudo, discorda da entidade, que defende que a prisão possa ser determinada após a condenação de primeira instância, sem esperar o julgamento de segunda instância, que também discute provas. O sensato entendimento do ex-ministro é que deveria prevalecer no debate sobre mudanças na legislação processual penal.