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Legalização da extorsão

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Por Redação
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O Ministério Público Estadual (MPE) quer que a Prefeitura de São Paulo regulamente e controle a atividade dos guardadores de carro, os chamados flanelinhas, que cobram entre R$ 5,00 e R$ 20,00 dos motoristas pelo seu "serviço". Cadastramento, uso de uniformes, fiscalização por agentes das subprefeituras, Polícia Militar e Guarda Civil Metropolitana são algumas das medidas que fazem parte de um plano piloto elaborado pela Secretaria Municipal do Trabalho para atender ao que deseja o MPE. O poder público adota, assim, com relação aos flanelinhas, uma posição que, a exemplo do que acontece com os serviços de valet e os camelôs, consagra o uso ilegal do espaço público.Sob o pretexto de assegurar trabalho para quem não consegue emprego formal, o poder público protege verdadeiras máfias que obtêm altos rendimentos privando os cidadãos de seus direitos e lesando os cofres públicos. Os flanelinhas exigem dos motoristas pagamento por "serviço" de vigilância para estacionar em via pública, agindo como donos do lugar. Na realidade, não cobram pela vigilância, mas pelo favor de não depredar o carro dos motoristas. Numa cidade onde a frota de veículos cresce assustadoramente, os transportes públicos estão muito aquém do necessário e a malha viária permanece estagnada, vagas de estacionamento antes gratuitas nas ruas se tornaram raridade a ser explorada. Atraídos pela alta rentabilidade da atividade, estimulados pela ausência do poder público e pelo conformismo da população, os flanelinhas se multiplicaram. Após a primeira reunião entre o MPE e representantes da Secretaria Municipal do Trabalho, o promotor Raul de Godoy Filho, da 3.ª Promotoria de Justiça e Habitação e Urbanismo da Capital avisou: "Vamos continuar exigindo que esse serviço seja regulamentado ou proibido de vez." Por que regulamentar uma atividade que em nada beneficia a população? Esse "serviço" deveria é ser "proibido de vez", porque os flanelinhas, muitas vezes usando coletes que lhes dão ares de "autoridade" e carteirinhas para enganar os motoristas, impedem os cidadãos de usufruir, como é seu direito, do espaço público. São atitudes que podem ser caracterizadas como extorsão, exercício ilegal de profissão, constrangimento ilegal e estelionato, e que não podem por isso ser toleradas, sob a justificativa de que ajudam a combater o desemprego. Aceita a justificativa, daqui a pouco a teremos invocada em benefício do batedor de carteira, do pequeno traficante, de toda a malandragem que não conseguiu lugar no mercado de trabalho.É surpreendente que a Polícia Militar se mostre disposta a apoiar o plano piloto - que deverá ser desenvolvido em pontos considerados "críticos" -, considerando-se que os guardadores de carro vendem aos motoristas uma proteção que cabe a ela assegurar. Eles não têm qualificação e competência para fazer o que propõem e jamais assumem qualquer risco para proteger os veículos.Em São Paulo, onde a informalidade continua a crescer em vários setores, o poder público hesita entre o descaso e a hipocrisia. Em nome da ajuda aos desempregados, com frequência o que era clandestino acaba se tornando oficial, mesmo que isso comprometa a liberdade e os direitos da população. A legalização e a regulamentação dos flanelinhas só aumentarão o medo dos motoristas que, diante do fortalecimento da "classe" dos guardadores de carro, se sentirão ainda mais constrangidos a pagar pelo seu "serviço", não porque confiem nele, mas pelo temor de represálias. Não faz sentido regularizar uma atividade que loteia o espaço público. Essa é uma ação demagógica que apela para o falso argumento da geração de empregos. O que o poder público deveria fazer, se de fato está preocupado com isso, é assegurar formação profissional a essas pessoas. É bem verdade que será difícil convencer disso os flanelinhas. Afinal, o dinheiro fácil das ruas é bem mais atraente que o salário do mercado formal de trabalho.