Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Legalização de dinheiro ilícito

Exclusivo para assinantes
Por Redação
2 min de leitura

É decerto do interesse do Brasil receber os impostos sobre quantias transferidas por seus cidadãos ou empresas para paraísos fiscais. Mas não da forma como propõe a Suíça. Em entrevista a Jamil Chade, correspondente do Estado em Genebra, a presidente da Confederação Suíça, Eveline Widmer-Schlumpf, propôs um acordo fiscal ao Brasil, a exemplo dos que seu governo já concluiu com a Áustria e o Reino Unido, pelo qual os bancos suíços em que brasileiros tiverem conta remetam de volta os impostos incidentes sobre os depósitos lá efetuados, mantendo, no entanto, sigilo absoluto sobre o total das contas e os nomes de seus titulares. Encerrando-se aí as pendências, isso significaria que o País renunciaria a seu direito de processar os depositantes por lavagem de dinheiro e sonegação de impostos e desistiria de tentar recuperar recursos públicos desviados. Ou seja, o País trocaria uma certa receita por um indulto àqueles que infringiram a lei, o que representaria, na verdade, um incentivo à corrupção. Quem conseguir transferir para a Suíça dinheiro sujo, teria a segurança de que o máximo que lhe poderia acontecer é ter parte dele devolvida a título de pagamento de impostos.Por meio desse esquema, o governo da Suíça estaria procurando fugir de uma regulamentação internacional sobre os paraísos fiscais, pela qual o Grupo dos 20 (G-20) vem pressionando. Eveline Widmer-Schlumpf, que é também ministra das Finanças, disse que já discutiu a ideia com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, em janeiro deste ano, durante o Fórum Econômico Mundial, em Davos, e que pretende voltar à carga em setembro durante a reunião do Fundo Monetário Internacional (FMI), em Tóquio. Encarando o tema sob o ponto de vista estritamente financeiro, a presidente suíça considera que "será um acordo que trará ganhos para ambos os lados. Não queremos dinheiro de pessoas que não tenham pago os seus impostos".Seria uma proposta construtiva, se não ignorasse os aspectos jurídicos e morais da questão. Não há no Brasil impedimentos legais para que pessoas físicas ou jurídicas transfiram recursos para contas no exterior. Mas, naturalmente, se essas remessas forem processadas por bancos, devem ser informadas, a depender de seu valor e frequência, ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). Além disso, devem constar das declarações de renda, com especificação da origem dos recursos, estando sujeitas à tributação. Assim, as transferências feitas de acordo com a lei não configuram evasão fiscal. Esse não é o caso, porém, do fluxo de recursos para fora do País proveniente de atividades ilícitas, especialmente do narcotráfico e do desvio de recursos públicos. Segundo o Banco Central da Suíça, os bancos daquele país têm depósitos de brasileiros da ordem de US$ 6 bilhões, valor que, segundo fontes do mercado, poderia ser apenas a ponta de um iceberg. Tantas fortunas surgiram de repente no Brasil que bancos suíços têm funcionários que falam português.Celebrar um acordo para receber impostos sobre esse dinheiro, legalizando-o, seria totalmente inaceitável sob o ponto de vista da moralidade pública, que impõe uma luta incessante contra a corrupção e contra o crime organizado, fonte também de muitos recursos depositados no exterior. Tanto num caso como no outro, se esse dinheiro saiu do Brasil, não foi propriamente para fugir ao pagamento de impostos. Embora a carga fiscal aqui seja pesada, os altos rendimentos proporcionados por aplicações financeiras normais podem compensá-la. Na Suíça, além de juros muito baixos, os depositantes pagam taxas pela guarda de seus recursos. O que é difícil para muitos depositantes estrangeiros é justamente demonstrar a origem legal dos valores depositados. Mais sintonizada com a opinião pública no País, a Associação dos Bancos Suíços, embora não seja contra as tratativas com o Brasil, insiste em que a prioridade é fechar acordos do gênero com países europeus. A opção do País só pode ser a de reforçar a luta no G-20 pela transparência e controle do fluxo internacional de recursos ilícitos.