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Levy e o ajuste sem cortes

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Por Redação
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O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, até se esforçou para mostrar otimismo nas entrevistas e declarações na Turquia e na Espanha, durante o fim de semana prolongado, mas acabou admitindo uma condicionante nada trivial. A economia só voltará a crescer, “em questão de meses”, se o País escapar do rebaixamento pelas agências de classificação de risco. Evitar a perda do grau de investimento permanece, claramente, no alto da agenda do ministro. Ele mencionou o risco de reclassificação do crédito soberano ainda em Ancara, depois de participar da reunião de ministros e presidentes de bancos centrais do Grupo dos 20 (G-20). A presidente Dilma Rousseff, segundo fontes do governo, também se preocupa com esse risco e por isso – ou também por isso – se esforça para manter Levy no Ministério. Mas na sexta-feira, um dia depois de reafirmar seu apoio ao ministro da Fazenda, descartou num discurso em Campina Grande a possibilidade de novos cortes no Orçamento proposto para 2016. Terá esquecido, novamente, o olhar crítico dos avaliadores de crédito?

Em sua viagem, o ministro da Fazenda continuou falando como se representasse um governo claramente disposto a seguir uma política séria e austera. “A presidente”, disse ele a uma plateia de 150 empresários, em Madri, “teve coragem de tomar as medidas necessárias.” Talvez tenha sido convincente, naquele momento, mas a crença em suas palavras só será mantida se as ações do governo as confirmarem.

Não há sinal claro de cortes, por enquanto, e nenhuma outra autoridade federal se mostrou disposta, pelo menos até ontem, a defender um programa de redução de despesas federais. Fala-se em suspensão ou redução de programas, como o habitacional, mas ninguém apresentou ao público uma lista bem definida de revisão de prioridades e de corte de despesas. Os programas sociais, diz a presidente e repetem seus auxiliares, continuarão intocáveis – e nada se acrescenta sobre o assunto.

A austeridade proposta pelo ministro da Fazenda – e de vez em quando admitida como necessária até pela presidente – deverá consistir, tudo indica, em pouco mais que uma caça à arrecadação. Discute-se na área econômica a elevação de alíquotas de alguns tributos – o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), incidente sobre combustíveis. O Executivo pode aumentar essas alíquotas por decreto, sem depender do Congresso. Além disso, a Receita Federal se dispõe a apressar a cobrança de débitos fiscais acima de R$ 10 milhões.

Ainda há, em Brasília, defensores da recriação do imposto do cheque, a CPMF, uma aberração tributária, mas politicamente isso seria muito mais complicado e custoso.

De toda forma, a ideia de um ajuste efetivo parece, por enquanto, abandonada para efeitos práticos. Neste momento, a preocupação da equipe econômica está centrada numa tarefa muito mais modesta – garantir o fechamento das contas de 2016 sem déficit primário, oficialmente estimado em R$ 30,5 bilhões. Um ajuste merecedor desse nome deveria envolver uma revisão da qualidade do gasto e dos padrões da administração federal. Sem isso, qualquer arrumação das contas terá sempre duração limitada, porque as despesas tenderão a crescer mais velozmente que o Produto Interno Bruto (PIB) e a receita fiscal, como ocorre há muitos anos. 

Sem reformas ambiciosas e politicamente difíceis, o desarranjo das contas públicas será um risco permanente. Desajuste fiscal e ineficiência da administração pública geram pressões inflacionárias constantes, limitam a redução dos juros e entravam o crescimento econômico. O ministro da Fazenda fala ocasionalmente sobre esses problemas e sobre o desafio da competitividade. Esses temas poderiam compor uma boa agenda, se a presidente levasse a sério seu ministro da Fazenda e lhe conferisse função mais nobre que a de amuleto vivo contra a perda do grau de investimento.