Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Limite da ação dos militares

Querer que as Forças Armadas se transformem em guardiãs do carnaval é passar, e muito, dos limites do razoável

Exclusivo para assinantes
Por Redação
3 min de leitura

O seu uso intenso e repetido para desempenhar funções que cabem à polícia, em casos de crise na segurança pública, vem criando justificado mal-estar nas Forças Armadas. O último episódio, que tornou isso mais evidente, foi – pelas suas características e abrangência – o do pedido feito pelo governo do Estado do Rio, que o presidente Michel Temer, prudentemente, atendeu só em parte. Embora haja previsão legal para sua utilização na manutenção da lei e da ordem, há sinais de preocupação nas Forças Armadas com a possibilidade de que se esteja indo nesse caso além do razoável, contrariando a vocação da instituição.

Com as Forças Armadas ainda empenhadas em ajudar o Espírito Santo a superar a grave situação criada com a greve da Polícia Militar (PM), que deixou a população capixaba à mercê dos bandidos, veio em má hora o pedido – principalmente pelos seus termos – do envio de tropas federais feito pelo governador fluminense, Luiz Fernando Pezão. Ele desejava a ajuda dos militares por causa dos tumultos, provocados por grupos que se sentem prejudicados, durante discussão na Assembleia Legislativa de medidas de austeridade necessárias para tirar o Estado da crise financeira que enfrenta.

Como se não bastasse as forças policiais não conseguirem cumprir uma tarefa comezinha como essa, o governador alegou também que precisa daquelas tropas por causa da “proximidade dos eventos carnavalescos, época em que o Rio recebe elevada quantidade de turistas”. Para Pezão, todos esses elementos reunidos tornam “real e iminente a possibilidade de grave perturbação da ordem”.

Querer que as Forças Armadas – elas atuariam entre 12 de fevereiro e 5 de março – se transformem em guardiãs do carnaval é mesmo passar, e muito, dos limites do razoável.

E mais: o governador fluminense queria que as tropas agissem em 50 pontos do Estado, desde o município de Nova Iguaçu até bairros como Deodoro, Centro, Tijuca e Arpoador, além de importantes vias de acesso como a Avenida Brasil. A abrangência da ação pretendida era tal que, na prática, a maior parte do Estado, a começar pelas áreas mais sensíveis, ficaria por conta das forças federais. Estima-se que para nisso seria preciso um efetivo de mais de 20 mil homens. Mesmo considerando a inquietação que se observa em alguns quartéis da Polícia Militar, por causa de atraso de salários, o Rio não enfrenta uma crise de segurança que justifique o envio de tropas federais. Trata-se, portanto, de um pedido preventivo, o que o torna ainda mais despropositado. Talvez temendo que o Rio seja contaminado pela crise capixaba, o presidente Michel Temer baixou decreto autorizando o envio de tropas ao Rio. Mas apenas “para a garantia da lei e da ordem na região metropolitana” e no período de 14 a 22 de fevereiro, com término antes do início do carnaval.

Pelo menos, reduziu-se o tamanho do despropósito pretendido. E seria bom que daqui para a frente se refletisse mais e melhor sobre o emprego das Forças Armadas em missões desse tipo, porque, como assinala a jornalista Tânia Monteiro no Estado, já é grande a insatisfação dos militares com elas. Temem eles o “uso político” das tropas. Eles estão cobertos de razão, porque isso seria ao mesmo tempo inaceitável e perigoso. No caso do pedido do governador Pezão, haveria “substituição completa” da PM pelos militares. São fortes os indícios de que há uma tendência a banalizar o emprego das Forças Armadas em missões de segurança pública. Isto é algo a ser evitado, porque inconveniente de todos os pontos de vista. Ele só se justifica em casos extraordinários, até porque não é vocação dos militares – que portanto não são treinados para isso – exercer função de polícia. O emprego das Forças Armadas é assunto sério demais para ser tratado com ligeireza.

É preciso considerar também que o recurso constante a elas para tais missões, em vez de ajudar, acaba prejudicando a polícia. Se sentirem que ao menor perigo serão socorridos por tropas federais, os Estados não cumprirão sua obrigação de melhorar as polícias.