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Maior transparência

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Por Redação
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Diante da insistência da Prefeitura em fornecer apenas informações vagas sobre a reorganização das linhas de ônibus da capital e das demonstrações de que continuará a agir sem levar em conta as reclamações dos usuários que se sentem prejudicados, entidades que representam os consumidores decidiram apelar para a Justiça. A Associação SOS Consumidores entrou com ação civil pública, no último dia 29, pedindo que a Justiça determine a retomada de 43 linhas que atendiam a zona leste e que foram extintas, fundidas entre elas ou tiveram seus itinerários modificados.O conselheiro jurídico da entidade, Maurício dos Santos Pereira, afirma que todo cidadão tem o direito de receber serviço público adequado, como estabelece a Constituição. E toca no ponto fundamental da questão ao lembrar que a SPTrans - a empresa que gerencia o serviço de ônibus - não pode reorganizar as linhas sem conhecer a realidade vivida pelos usuários. Em outras palavras, o que lhes convém e o que pode prejudicá-los. Para Maria Inês Dolci, coordenadora de outra entidade, a Proteste Associação de Consumidores, o direito a informações sobre as mudanças que estão sendo feitas é assegurado também pelo Código de Defesa do Consumidor.A principal queixa dos usuários refere-se ao descaso com que são tratados pela SPTrans, que os surpreende com avisos sumários sobre a extinção ou a mudança das linhas, afixados nos pontos em que tomam diariamente o ônibus para ir ao trabalho. Outras são a maior demora em relação ao que existia antes e a necessidade, em vários casos, de tomar mais ônibus para chegar ao destino. Essas críticas que se avolumam contrastam com os objetivos da reorganização, que são diminuir a possibilidade de congestionamento em corredores e faixas exclusivas, dar maior velocidade aos ônibus e mais racionalidade ao sistema. Segundo a SPTrans, as mudanças têm de levar em conta os interesses dos usuários, é claro, e também os das empresas de ônibus, porque elas - principalmente as que extinguem linhas - afetam a sua remuneração. No caso dos usuários, salta aos olhos que isto não está sendo feito como deveria. Eles têm o direito de saber em que estudos se baseia a Prefeitura para fazer as alterações em curso e a que planejamento elas obedecem. Se os estudos e os planos existem, por que não são divulgados? Se eles correspondem primordialmente aos interesses dos usuários, como é de esperar, a Prefeitura só tem a ganhar em torná-los públicos. Dinheiro para campanhas de esclarecimentos certamente não falta. Se ele existe para divulgar outros planos e obras do atual governo, em caros anúncios na televisão e outros meios de comunicação, nada justifica que não exista para informar os milhões de paulistanos sobre alterações no serviço de ônibus que utilizam diariamente. Não fazer isso é um desrespeito a quem paga caro por um serviço notoriamente ruim. Em princípio, a hipótese de que as mudanças possam levar em conta mais do que deveriam os interesses das empresas não mereceria ser considerada. Mas, infelizmente, o comportamento da Prefeitura não permite que assim seja. Ele deixa no ar uma interrogação, e não apenas porque os usuários não recebem os esclarecimentos a que têm direito sobre medidas que afetam profundamente seu dia a dia. É também porque as empresas nunca viram com simpatia a reorganização das linhas - uma medida há muito recomendada pelos especialistas -, pois tal como está o serviço já lhe garante um bom lucro. Por que correr riscos? Esta sempre foi sabidamente a sua postura. É surpreendente, portanto, que até agora elas - que nunca hesitaram em reagir prontamente quando julgaram ameaçado seu lucrativo negócio - não tenham manifestado nenhum desagrado com as mudanças, ao contrário dos usuários. Se está segura do que faz, a Prefeitura - em vez de deixar o caso entregue à Justiça - deve começar a tratar esse caso com maior transparência, informando antecipadamente aos usuários as mudanças e justificando cada uma. Fernando Haddad não deve esquecer de que o transporte público foi o estopim das manifestações de junho.