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Opinião|Mais empresários antonioermirianos

Atualização:

Muito já foi dito e escrito sobre a vida e obra do empresário Antônio Ermírio de Moraes, falecido no mês passado. Mas ainda pouco diante da grandeza desse personagem nas suas dimensões humana, empresarial, intelectual e filantrópica. Optei por não pensar apenas no seu passado, mas também no presente e no futuro, pois ele é um exemplo a ser seguido, em benefício do desenvolvimento econômico e social do País. Tive poucos e curtos contatos com ele, mas suficientes para captar a cordialidade, a atenção e seu respeito diante de interlocutores. Em particular, recordo-me de quando telefonou ao final do governo Collor para me cumprimentar, e à equipe do então ministro da Economia, Fazenda e Planejamento, Marcílio Marques Moreira, à qual eu pertencia, por termos "segurado as pontas da economia" na fase do impeachment presidencial, evitando maiores repercussões nos mercados. Também demonstrou solidariedade naquele momento frustrante para nós, pois, nas palavras de um colega da equipe, o processo de impeachment havia nos "paralisado na direção correta", em face da política econômica então praticada, que tinha esse rumo. Como muita gente, passei no Hospital da Beneficência Portuguesa para o velório e notei a presença de funcionários dessa instituição, que ele dirigiu. Gente simples, a julgar por seus uniformes. Saí num táxi cujo motorista ressaltou a atenção que recebia dele, como ao construir instalações sanitárias mais perto do ponto onde ficava, para que os taxistas pudessem acessá-las com maior facilidade. Em 1986 Antônio Ermírio foi candidato a governador de São Paulo, dei-lhe meu voto e frustrei-me ao vê-lo triturado pela politicalha até hoje endêmica no País. Dessa época, imagem tristemente inesquecível foi uma em que tomou um soco pelas costas ao descer do carro em frente à TV Globo para um debate com os demais candidatos. Como exemplo empresarial, vou situá-lo no papel dos empreendedores na história econômica mundial. No livro The Invention of Enterprise (Princeton Univ. Press), editado por D. Landes, J. Mokyr e W. Baumol - o primeiro, um famoso historiador econômico que trabalhou em famosas universidades dos EUA -, um artigo classifica empreendedores em replicadores e inovadores. Os primeiros se engajam em atividades muito similares ou mesmo idênticas às das empresas existentes. Os inovadores têm papel maior, pois criam empresas que oferecem novos produtos, usam novos processos de produção, ingressam em novos mercados ou adotam novas formas de organização. Antônio Ermírio foi inovador, atuando em vários empreendimentos industriais de grande escala. Ainda no último sábado me lembrei de um deles ao ver notícia de que a Sabesp cogita de trazer água de represa na região de Ibiúna (SP), onde há uma usina hidrelétrica da qual é concessionária a Companhia Brasileira de Alumínio, do grupo que ele liderava. Foi também uma inovação adotar eletricidade própria para suprir essa indústria, para não ficar na dependência de uma oferta mais volátil e cara das empresas distribuidoras. E agora poderá fornecer água à população. Os mesmos autores também classificam os empreendedores em produtivos e improdutivos. Os primeiros, os que de fato contribuem para o desenvolvimento de seu país. O segundo grupo inclui gente de fraca ou nenhuma contribuição, podendo até atrapalhar, e são "indivíduos que buscam novas formas de desenvolver atividades voltadas para privilégio próprio, às vezes até mesmo criminosas, e outras de natureza improdutiva ou mesmo socialmente danosas". Antônio Ermírio indubitavelmente esteve entre os produtivos. Noutro livro, já publicado em português (A Riqueza e a Pobreza das Nações, Ed. Campus), Landes argumenta que valores culturais como honestidade, iniciativa, respeito aos direitos de propriedade, parcimônia no uso de dinheiro e de outros recursos e abertura a novas ideias são fatores importantes na explicação do tema desse livro. Destaco também essa parcimônia, típica de Antônio Ermírio, mas ela não deve ser confundida com avareza ou com o poupar pelo poupar. É preciso que os recursos correspondentes sejam investidos na expansão da produção, para dar força à economia, como ele fazia. Assim, são os empresários inovadores, produtivos, poupadores e investidores que contribuem para o desenvolvimento econômico de um país, e nem todos os empresários se enquadram nesse perfil, que tipificou Antônio Ermírio. Ele deixou ainda outra marca, seu trabalho filantrópico à frente do citado hospital. Não sei se também fez doações em dinheiro, mas à Beneficência Portuguesa doou boa parte de seu tempo. Tempo é dinheiro, e certamente o era para uma pessoa como ele. Talvez um dia alguém se disponha a estimar as horas de trabalho que ele dedicou a essa atividade, e a avaliar seu valor total pelo valor de mercado da hora de trabalho de Antônio Ermírio. O resultado seria uma enormidade. E havia seu apego ao trabalho, sem o qual não se constrói um grande país. Se pudesse encontrá-lo novamente, eu lhe repetiria uma frase que o mesmo historiador Landes, pouco antes de morrer, em 2013, aos 89 anos, tendo trabalhado até quando pôde, disse a um assistente: "Somos felizes, pois há os que trabalham para viver, enquanto nós vivemos para trabalhar". Ele foi dessa turma. Hoje estão em moda escolas e outras iniciativas para estimular o empreendedorismo, nas quais a história de Antônio Ermírio deveria servir como material didático, a começar pela biografia concluída recentemente pelo professor José Pastore: Antônio Ermírio de Moraes, Memórias de Um diário Confidencial (Ed. Planeta). Por sua vez, os empresários nacionais, raramente inovadores, em geral avessos à filantropia, nem todos produtivos, alguns até perdulários, igualmente têm muito a aprender com ele. *Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard). É consultor econômico e de ensino superior 

Opinião por Roberto Macedo