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Mais uma chance à paz

Ante a ameaça de retomada da mais longa guerra civil latino-americana, o governo colombiano e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) anunciaram um novo acordo para pôr fim ao conflito

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Por Redação
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Ante a ameaça de retomada da mais longa guerra civil latino-americana, o governo colombiano e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) anunciaram um novo acordo para pôr fim ao conflito. A tentativa de solucionar os erros do processo anterior – que acabaram levando os colombianos a rejeitar, em plebiscito, o acordo que dele resultou – mostra que houve mesmo precipitação e até ingenuidade por parte dos negociadores, especialmente do governo de Juan Manuel Santos. Espera-se que agora, com a amarga experiência do fracasso, os colombianos aproveitem a nova chance para chegar à paz – pois, se esta tentativa também malograr, dificilmente haverá outra num futuro previsível.

Ao reconhecer “com humildade” que o novo acordo “é melhor” que o previamente assinado com os narcoguerrilheiros, o negociador-chefe do governo, Humberto de la Calle, acabou por admitir que tinham alguma razão os opositores do entendimento anterior – que não foram consultados ao longo dos quatro anos de negociações em Havana.

Ainda se desconhecem os detalhes do novo plano, mas o governo garante que quase todas as 57 objeções dos partidários do “não” ao acordo anterior, liderados pelo ex-presidente Álvaro Uribe, foram atendidas. Restam dúvidas sobre se será aceita a principal demanda dos opositores, isto é, a punição dos guerrilheiros envolvidos em sequestros, narcotráfico e terrorismo.

Segundo o jornal El País, pessoas familiarizadas com o acordo indicam que segue valendo o modelo que cria um tribunal excepcional – a Jurisdição Especial para a Paz (JEP) – para julgar os criminosos das Farc. O novo entendimento, contudo, reduziu o alcance das decisões da JEP, submetendo-as aos tribunais superiores em caso de recurso, mecanismo ausente no acordo anterior. Além disso, os guerrilheiros continuam a ter a possibilidade de ingressar na vida política, mas o partido das Farc não poderá ter candidatos em áreas nas quais a guerrilha atuou nem terá financiamento público maior do que o destinado a outros partidos.

Outra concessão considerada essencial pelos opositores era a garantia de que a reforma agrária, prevista no acordo prévio, não resultaria em ameaça à propriedade privada – agora explicitamente protegida.

Essas modificações são apenas uma parte do que foi acertado em Havana, o que indica que o acordo anterior, a título de ser o “acordo possível”, como apregoou Santos, talvez tenha sido excessivamente condescendente com a guerrilha. Isso poderia explicar o desinteresse dos colombianos por aquele entendimento, simbolizado pelo comparecimento de apenas 37,4% dos eleitores para votar no plebiscito de outubro.

A abstenção foi um sinal claro de que, embora queiram a reconciliação e certamente tenham ficado contentes com a disposição de chegar a um bom acordo para encerrar a guerra civil, os colombianos não aceitam a paz a qualquer preço. Não há hoje na Colômbia nenhum cidadão que não tenha sido atingido direta ou indiretamente pelo conflito e é compreensível que haja mal-estar com a possibilidade de que, depois de tantos crimes, os integrantes da narcoguerrilha marxista sofram penas brandas ou até possam ficar impunes.

Contudo, está certo o governo colombiano ao perseguir o “acordo possível”, pois é melhor algum acordo do que nenhum. Mas o principal erro cometido pelo presidente Santos – convocar um plebiscito para decidir sobre matéria tão sensível, que não pode ficar à mercê da formação de maiorias momentâneas – reduziu a já pequena margem de manobra do governo e entregou a seu principal opositor, o ex-presidente Uribe, a faca e o queijo.

E Uribe já mostrou que pretende ditar o ritmo do processo daqui em diante. Enquanto o presidente Santos diz que é urgente a aprovação do novo acordo – pelo Congresso ou por meio de um novo plebiscito –, o ex-presidente mandou avisar que precisa de mais prazo para ver se suas reivindicações foram mesmo atendidas. Para Uribe, que nunca se conformou por não liderar o processo de paz, trata-se de uma questão de “prudência”.