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Malhação de 1º de Maio

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Por Redação
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Na Bolívia de Evo Morales o equivalente ao velho costume popular em países católicos de malhar o Judas no Sábado de Aleluia é a malhação do capital estrangeiro no Primeiro de Maio. Com duas diferenças: no primeiro caso, a tradição que servia para destruir em efígie o inimigo de turno do povo praticamente caiu em desuso; no caso boliviano, que serve para Morales apelar ao populismo a fim de afirmar ou recuperar prestígio (a sua aprovação caiu de quase 70% em 2010 para 40% hoje), o exorcismo ritual do inimigo externo com data marcada está se tornando uma mania.Foi no Dia do Trabalho de 2006, coincidindo com o centésimo dia do seu primeiro governo, que ele anunciou a nacionalização do setor de petróleo e gás. No Primeiro de Maio de 2010, estatizou as duas principais hidrelétricas do país. Dois anos depois - e duas semanas depois de a presidente argentina, Cristina Kirchner, assumir o controle da petrolífera YPF, pertencente ao grupo espanhol Repsol - Morales repetiu o golpe no setor elétrico: expropriou a Transportadora de Electricidad, subsidiária da Red Eléctrica de España, responsável por 85% do sistema boliviano de transmissão de energia.Da primeira vez, Morales anunciou a façanha arengando em um campo de produção de gás no departamento de Tajira, operado pela Petrobrás. Uma hora depois, tropas do Exército ocuparam as 53 instalações de exploração de hidrocarbonetos no país de propriedade de companhias estrangeiras. Agora, realizou-se no palácio presidencial o comício em que o ex-líder sindical cocalero apresentou o seu ato rombudo como "merecida homenagem aos trabalhadores bolivianos que lutaram pela recuperação dos nossos recursos naturais". Pouco depois, soldados invadiram a sede da Transportadora em Cochabamba.Diferentemente de Cristina, cuja intervenção na YPF pegou de surpresa a Repsol e o governo de Madri, Morales teria mandado avisar a chancelaria espanhola de sua intenção. Mas o argumento invocado para as duas capturas é o mesmo: a escassez de investimentos das empresas proprietárias. Mas o problema de fundo é o controle governamental dos preços dos produtos vendidos pela YPF na Argentina e dos serviços da Transportadora na Bolívia. Não admira que a Repsol e a Red Eléctrica pensassem duas vezes antes de expandir as atividades nos dois países e, afinal, se contivessem. Além da equação financeira desfavorável para os seus negócios, havia ainda o espectro da insegurança jurídica - que se materializou - sob governos de tendência autoritária e declaradamente pouco simpáticos à economia de mercado. Salvo, no caso argentino, do apoio oficial aos grupos empresariais alinhados com o esquema dominante do kirchnerismo. No lance de Morales em 2006, que atingiu sobretudo a Petrobrás, o então presidente Lula só faltou elogiar o discípulo do caudilho venezuelano Hugo Chávez, ao falar em "ato inerente à soberania boliviana". Mas dois anos se passariam até que a estatal brasileira voltasse a investir no país.Já a reação inicial espanhola ao confisco da Transportadora contrasta, pela brandura, com a indignação que se seguiu à reestatização da YPF. Madri usou então termos pesados como arbitrariedade e agressão, advertindo que poderá adotar respostas contundentes. Desta vez, embora o embaixador espanhol em La Paz, Ramon Santos, observasse que medidas do gênero "geram insegurança jurídica", o governo do primeiro-ministro Mariano Rajoy limitou-se a informar em nota que, por ora, "recolhe informações sobre aspectos técnicos e diplomáticos" do episódio. Uma fonte oficial indicou ser este "um caso distinto".Talvez isso se deva ao fato de o decreto de nacionalização de Morales prever o pagamento de uma indenização, a ser negociada com um mediador independente. Também há de ter pesado a circunstância de a Transportadora representar apenas 1,5% da receita da Red. Por fim, no Primeiro de Maio, a mesma Repsol atingida na Argentina inaugurou na Bolívia uma instalação de gás natural a ser exportado - para a Argentina. Disso Morales não fez alarde.