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Opinião|Marina e o agronegócio

Atualização:

Marina Silva aproximou-se do agronegócio na última semana. Esteve numa importante feira do setor sucroenergético, jantou com 60 lideranças na sexta-feira e seus assessores vêm dialogando com pessoas-chave do setor. Todos sabem que o agronegócio viveu momentos de atrito com Marina no período em que ela foi ministra do Meio Ambiente. Exemplos são os embates em torno do Código Florestal e o zoneamento da soja transgênica, num momento em que produtores gaúchos plantaram variedades argentinas que ainda não haviam sido aprovadas no Brasil. Já se passaram dez anos. Desde então a Comissão de Biossegurança autorizou um amplo uso de sementes transgênicas no Brasil, a exemplo do que vem ocorrendo em quase todo o mundo. O novo Código Florestal virou lei em maio de 2012 e hoje há total consenso entre o agronegócio e a comunidade ambiental de que o desafio é implementar mais rapidamente o que foi definido. Tendo participado de diversas conversas com Marina e seu grupo nos últimos cinco anos, permito-me fazer aqui uma análise das perspectivas dos temas do agronegócio à luz do seu programa de governo, recém-divulgado. O programa reconhece a competência dos produtores brasileiros, os ganhos de produtividade alcançados, o fato de o País dispor da melhor tecnologia tropical do planeta e o papel salvador que o setor desempenhou na garantia do equilíbrio das contas externas. Em síntese, os principais destaques do programa são: 1) Políticas tradicionais - taxas de juros mais baixas para a agricultura; continuidade das políticas de aquisição de alimentos, preços mínimos e estoques reguladores; ampliação de programas de seguro rural, cobrindo riscos climáticos e de renda; reforço das estruturas de pesquisa e controle sanitário; avanço no zoneamento agroecológico e melhorias na legislação trabalhista. 2) Acordos internacionais - ampliação dos acordos de comércio com os países mais relevantes para o agronegócio, independentemente do Mercosul. 3) Plano ABC - o Plano de Agricultura de Baixo Carbono ganhará prioridade, recebendo mais recursos para estimular o manejo e a recuperação de pastagens e áreas degradadas e buscar a meta de "desmatamento zero". 4) Governança dos ministérios da área - segundo o texto, no mundo inteiro o Ministério da Agricultura também cuida de questões fundiárias, de florestas plantadas e da pesca. "No Brasil temos quatro ministérios cuidando desses temas, disputando o mesmo orçamento e prestígio junto ao Palácio do Planalto, ao Legislativo, à mídia e à sociedade em geral. Ainda interferem no agronegócio mais uma dezena de ministérios e duas dezenas de agências correlatas. É preciso enxugar esse emaranhado de órgãos federais que engessam as ações para o setor rural". 5) Política energética - o diagnóstico e as diretrizes apresentados são claros e corretos. O ponto de maiores destaque é a prioridade de recuperar e revitalizar a produção de biocombustíveis e bioeletricidade, que não deveriam ficar a reboque da intervenção estatal em razão de políticas de controle artificial de preços da gasolina. "A intervenção do governo no setor deveria ser mínima e as regras para o desenvolvimento da energia de biomassa devem ser previsíveis e transparentes." 6) Infraestrutura e logística - o programa propõe ampliar e acelerar concessões, parcerias público-privadas e investimentos, aprimorando os marcos regulatórios, diversificando modais de transporte e aprimorando o diálogo com os investidores. O programa traz temas que devem gerar embates com o setor, mas podem perfeitamente ser tratados de forma racional pelo Executivo pelo Legislativo: O texto reconhece a queda expressiva do desmatamento em áreas de floresta, mas menciona seu avanço em certas áreas do cerrado, afirmando "que a agropecuária brasileira não precisa mais avançar sobre novas áreas de vegetação nativa para duplicar ou até triplicar sua produção". Creio que o agronegócio concorda plenamente com a necessidade de eliminar o desmatamento ilegal em todos os biomas. Defende, porém, o desmatamento legal de áreas férteis sob cerrado, seguindo estritamente o novo Código Florestal. A solução do "desmatamento líquido zero" - desmatamento legal de áreas com aptidão agrícola compensado por reflorestamento incentivado de áreas sem aptidão - pode ajudar a resolver a questão. A atualização dos indicadores de produtividade agrícola relacionados com o diagnóstico da função social da propriedade rural, que permitiria rápida desapropriação de terras nos casos previstos em lei ou prêmio para quem faz uso correto da terra. A demarcação de terras indígenas e quilombolas, prevista na Constituição, mas que causa discórdias com os agricultores nas áreas onde há disputas. Na minha modesta opinião, o programa atende às principais expectativas do agronegócio. Ele diz ainda que a agropecuária tem uma agenda própria, que será considerada pelo novo governo, reconhecendo-se a importância do setor para o País. Marina afirmou ainda que o programa divulgado é um "projeto em construção" que será revisado sempre que necessário (como, aliás, já o foi no fim de semana). Precisamos acabar com a falsa dicotomia que tem colocado agricultura e meio ambiente em lados opostos. O agronegócio global só sobrevive com desenvolvimento sustentável. Ele terá de produzir alimentos, bebidas, têxteis, papel, borracha e bioenergia para mais 9 bilhões de habitantes em 2050. Terá de gerar renda para quem nele trabalha e enfrentar crescentes restrições de recursos naturais e clima. O mundo deposita enorme esperança no Brasil para servir como exemplo global na conciliação de questões econômicas, sociais e ambientais na agricultura. Nossa História recente mostra que estamos em posição bem melhor do que qualquer outro país para dar esse salto. Ou seja, há muito mais convergências do que divergências entre as agendas do agronegócio moderno e a agenda de gestão sustentável dos recursos naturais proposta por Marina Silva.Marcos Sawaya Jank é diretor global de Assuntos Corporativos da BRF e foi presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar e (Unica).

Opinião por Marcos Sawaya Jank