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Mercosul e Europa, de novo

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Por Redação
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O Brasil e os parceiros do Mercosul ensaiam, mais uma vez, retomar a negociação de um acordo de livre-comércio com a União Europeia, até agora emperrada principalmente por desentendimentos entre os membros do bloco sul-americano. O governo brasileiro acaba de dar o primeiro passo para a nova tentativa. Na quinta-feira o Conselho de Ministros da Câmara de Comércio Exterior (Camex) aprovou a oferta brasileira para o reinício das conversações. As autoridades de Brasília estão dispostas, segundo se informou depois da reunião, a oferecer redução de tarifas para 85% do comércio entre os dois blocos. Os europeus haviam proposto concessões relativas a 90% do intercâmbio, mas é razoável, nesta altura, esperar uma aproximação entre as duas partes. A abertura comercial esboçada pela Camex foi planejada para se completar num prazo de 10 a 15 anos.A reunião em Brasília foi apenas o ato inicial e mais simples de um processo trabalhoso no interior do Mercosul. As maiores dificuldades vêm da Argentina, disse o ministro da Agricultura, Antônio Andrade, ao sair da sessão da Camex. Não entrou em detalhes, mas quem acompanhou as discussões entre representantes da União Europeia e do Mercosul tem uma boa ideia do problema. A negociação birregional foi lançada em 1999, interrompida em 2004 e retomada em 2010, com oito reuniões até março do ano passado. O ato seguinte deveria ser a apresentação das ofertas, para uma discussão mais concreta e mais consequente.A grande expectativa, mais uma vez, é em relação ao lance argentino. Os negociadores do Mercosul pressionaram os europeus, durante a maior parte das discussões, para abrir mais seus mercados aos produtos agrícolas do bloco sul-americano. Os governos da Europa mantêm há muito tempo uma forte política de intervenção no comércio de produtos agrícolas, subvencionando os exportadores, restringindo as importações e, em certos casos, discriminando a favor de países mantidos como colônias até depois da 2.ª Guerra Mundial. Em troca, os sócios do Mercosul deveriam oferecer principalmente concessões na área de bens industriais e serviços. Pode-se até discutir se a ênfase foi correta e se os governos do Mercosul deveriam ter dado tanta importância às exportações de produtos agrícolas, como se fossem pouco relevantes os problemas de acesso de suas indústrias ao mercado europeu. Não são irrelevantes, até por causa das facilidades concedidas a indústrias de alguns países da Ásia e da Bacia do Mediterrâneo. Mas os sul-americanos deveriam, de toda forma, oferecer maior abertura de mercado para produtos industriais europeus e foram incapazes de se articular para isso.As principais dificuldades decorreram sempre do lado argentino, mais propenso ao protecionismo até no intercâmbio com os vizinhos e parceiros do bloco - em detrimento, é claro, principalmente dos interesses brasileiros. A resistência argentina à abertura de mercado para bens industriais tornou especialmente difícil o entendimento com os europeus. Foi, claramente, um dos principais fatores determinantes do alongamento da negociação e dos impasses. A diplomacia europeia pode ter criado obstáculos, até porque uma parte da conversação birregional foi paralela à Rodada Doha, também dedicada em boa parte a questões do comércio agrícola. Mas a resistência do lado sul-americano foi a dificuldade mais notável e resultou principalmente da posição argentina.Enterrado o projeto da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), em 2003-2004, o Mercosul permaneceu envolvido em apenas duas negociações ambiciosas. Uma delas foi a Rodada Doha. A outra foi a conversação com a União Europeia. Nos últimos dez anos, o Brasil e seus parceiros celebraram acordos de livre-comércio de alcance muito limitado, alguns na América do Sul, outros, com países de pouco peso no mercado internacional. No fim do ano haverá mais uma tentativa de relançamento da Rodada Doha. Se fracassar, sobrará, como projeto de peso, para o Mercosul, só a negociação com a União Europeia. Um novo fracasso seria desastroso.