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Na trilha de Mao

Fim do limite de dois mandatos presidenciais dá ainda mais poder a Xi Jinping na China

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Por Redação
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O presidente Xi Jinping deu o passo que faltava para se tornar, de fato e formalmente, o homem mais poderoso da China desde Mao Tsé-tung, que comandou a revolução que implantou o regime comunista no país e o governou por quase três décadas. A decisão do Comitê Central do Partido Comunista da China (PCC), de propor à Assembleia Nacional Popular o fim do limite de dois mandatos presidenciais estabelecido pela Constituição, abre caminho para Xi Jinping permanecer indefinidamente no poder.

Pela regra atual, ele teria de deixar o posto ao fim de seu segundo mandato de cinco anos, em 2023. Uma recomendação do PCC é sempre acatada pela Assembleia, porque ele é o verdadeiro detentor do poder. Tanto é assim que os comentários críticos à mudança que circularam pelas redes sociais foram logo censurados pelo regime. Por isso, já é dado como certo que a mudança na Constituição será aprovada durante a sessão anual da Assembleia que começa no dia 5 de março.

Como secretário-geral do PCC e presidente da Comissão Militar Central, cargos nos quais pode continuar indefinidamente, Xi Jinping já detém enorme poder, tanto político como administrativo e militar. Só para o cargo de presidente há o limite que está prestes a ser abolido. Com isso, o presidente passará a acumular os principais instrumentos de poder do país, acabando na prática com o sistema de “liderança coletiva” implantado nos anos 1990 por Deng Xiaoping, o líder mais importante depois de Mao, que abriu e modernizou a economia e permitiu ao país atingir altos índices de desenvolvimento, ultrapassar o Japão e tornar-se a segunda maior economia do mundo.

O objetivo do sistema era evitar a concentração de poderes nas mãos de um só homem, como acontecera com Mao. Mas desde o 19.º Congresso do PCC, em outubro do ano passado, é à repetição disso que se assiste, com Xi Jinping colocado quase no mesmo nível de Mao, embora na economia o presidente se mantenha fiel às linhas mestras traçadas por Deng. Na época, decidiu-se que as ideias expostas por Xi em seus discursos, além de difundidas obrigatoriamente pelos meios de comunicação, passariam a fazer parte do programa do PCC e, consequentemente, a serem ensinadas em todos os níveis do sistema educacional.

Agora, igualmente por proposta do Comitê Central do PCC, o “pensamento de Xi Jinping” deverá ser inscrito também na Constituição. Seus pontos principais são a adoção de medidas para atenuar as tensões e desigualdades sociais aguçadas pelo rápido crescimento econômico, com base numa mistura de socialismo e capitalismo à moda chinesa, e a continuação do fortalecimento do país nos campos econômico, tecnológico, militar e diplomático, além de sua crescente inserção no mercado global. Ao mesmo tempo, deve prosseguir o combate à corrupção, outra bandeira de Xi, que já puniu mais de 1 milhão de pessoas, entre elas altos funcionários.

Tudo isso sob o comando do PCC, cujo papel central na condução do país, em todos aos sentidos, continua inalterado. As medidas adotadas por Xi desde sua chegada ao poder só reforçam a disciplina do partido e ampliam sua ação no campo ideológico. Nesse ponto, ao contrário da economia, continua a não haver espaço para qualquer abertura. Não há concessão, mínima que seja, no caráter autoritário do regime e na repressão a veleidades de dissidência.

O cientista político Willy Lam, da Universidade de Hong Kong, única região da China onde ainda há um mínimo de liberdade, por causa da longa presença britânica, resumiu bem o sentido das manobras de Xi Jinping para se fortalecer ainda mais e se manter indefinidamente no poder: “Assistimos ao retorno da era Mao Tsé-tung, quando uma só pessoa decidia por centenas de milhões. Ele não tem contrapoderes. Isso é muito perigoso”.

É com um líder com esse perfil, com grande liberdade de ação e à frente de um país cada vez mais poderoso, que as potências ocidentais e a Rússia terão de lidar por muito tempo, salvo imprevistos.