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Não convém brincar

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Por Redação
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No momento de maior importância institucional do Tribunal de Contas da União (TCU) – o órgão está às vésperas de analisar as contas da presidente Dilma Rousseff –, o Congresso põe em pauta projetos, alguns antigos outros novos, que interferem no funcionamento da Corte. Com o discurso de “fiscalizar”, “aprimorar” ou “modernizar” o TCU, a movimentação dos parlamentares é parte do jogo de pressão política sobre o tribunal. No entanto, essa ilógica brincadeira – de querer mexer com o que está funcionando – pode custar caro ao País.

Órgão eminentemente técnico e vinculado ao Poder Legislativo, o TCU cumpre uma importante função. Ele auxilia o Congresso Nacional no exercício da fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas. No mês passado, o TCU apontou distorções de R$ 281 bilhões no Balanço Geral da União e fixou prazo de 30 dias para a presidente Dilma apresentar esclarecimentos sobre 13 irregularidades, entre as quais estão as “pedaladas fiscais”. Após a defesa de Dilma, apresentada esta semana, o órgão deverá emitir um parecer, que servirá de base para o Congresso julgar as contas da presidente.

É nesse delicado contexto que ressurgem propostas de interferência no TCU. Conforme revelou o Estado, no mesmo dia em que o TCU abriu prazo para a presidente Dilma responder sobre as 13 irregularidades, a Comissão de Fiscalização Financeira e Controle, da Câmara dos Deputados, incluiu em sua pauta de votação proposta para uma fiscalização “contábil, financeira, orçamentária e operacional” do Congresso sobre a área administrativa da Corte. No último dia 1.º, a proposta quase foi votada, mas um pedido de vista o impediu. No entanto, o presidente da comissão, Vicente Cândido (PT-SP), já avisou que o projeto voltará à pauta no mês que vem, exatamente quando o TCU deve analisar as contas de Dilma. “Vamos dizer que é uma coincidência. Não vejo nenhuma retaliação”, afirmou candidamente Vicente Cândido.

O projeto original, do deputado Eduardo da Fonte (PP-PE), continha verdadeira aberração institucional. Propunha-se que o TCU fosse fiscalizado pela Controladoria-Geral da União (CGU), que faz parte do Poder Executivo, cujas contas são analisadas pelo TCU.

Outro caso que teve um “coincidente” avanço foi a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 75/2007, que propõe uma ampla reforma dos Tribunais de Contas da União e dos Estados. Além de criar uma “Auditoria de Controle Externo”, a PEC fixa o mandato de ministro da Corte em 3 anos. Atualmente, os ministros permanecem no cargo até a aposentadoria compulsória, aos 75 anos. Há muito tempo parado, o projeto de 2007 foi arquivado no início deste ano.

No entanto, logo depois, foi desarquivado e – na véspera da sessão em que o TCU se manifestaria sobre as contas de Dilma – encaminhado à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania.

Também no mês de junho o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), apresentou a PEC 83/2015, na qual propõe a criação de uma autoridade fiscal independente a fim de monitorar, avaliar e fazer alertas sobre a política fiscal do governo. Chamou a atenção o fato de que as atribuições dessa autoridade independente são muito semelhantes às do TCU, além de que a escolha do diretor desse órgão seria feita, a partir de uma lista tríplice, pelo presidente do Senado.

Tudo indica que essas movimentações nada mais são do que um jogo de cena e que não prosperarão. No entanto, elas evidenciam que no próprio Congresso Nacional há gente que desconhece o papel institucional do TCU – dotar o Poder Legislativo de competência técnica para sua tarefa de fiscalizar o Poder Executivo. Fazer pressão política com projetos que interferem nessa lógica é brincar com fogo. Além do mais, é ignorar que, dentre as inúmeras deficiências do Estado brasileiro, o TCU é um órgão que vem desempenhando com competência suas atribuições técnicas. Por que querer mexer exatamente aí?