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Não perpetuar privilégios

O pagamento de auxílio-moradia aos juízes é um evidente abuso. Os magistrados recebem salários que não são pequenos.

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Por Redação
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Em setembro de 2014, Luiz Fux, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou por liminar o pagamento de auxílio-moradia aos juízes federais. Pouco depois, em outra ação, estendeu o benefício a todos os magistrados do País. Apenas na esfera federal, as decisões de Fux custam aos cofres públicos R$ 289 milhões por ano. Trata-se de um valor muito alto a depender de decisões liminares, que podem – e devem – ser revertidas pelo plenário do STF. Urge, portanto, que a Suprema Corte julgue em caráter definitivo o tema.

Ao justificar a extensão do benefício aos juízes federais e depois a todos os juízes, o ministro Fux sustentou que todos eles tinham direito a desfrutar da mesma situação já concedida a alguns magistrados estaduais e a membros do Ministério Público. Caso não fosse outorgado o pagamento imediato de R$ 4.377,73 mensais a título de auxílio-moradia aos juízes, haveria – segundo a lógica das decisões – perigosa assimetria com outras carreiras jurídicas.

O pagamento de auxílio-moradia aos juízes é um evidente abuso. Os magistrados recebem salários que não são pequenos. Por que precisam ainda ter uma ajuda de custo para o pagamento do aluguel? Todos os outros brasileiros, que não se encontram nessa situação de privilégio – isto é, suas carreiras não têm a sorte de serem generosamente equiparadas às luzidias carreiras da magistratura e do Ministério Público –, utilizam parte de seu salário para o pagamento do aluguel. Raríssimos são os casos de empresas que pagam, além do salário, ajuda de custo para moradia. E mesmo nesses casos se entende que o adicional faz parte do valor do salário, para todos os fins, inclusive tributários. Contudo, os juízes parecem achar que o seu caso é diferente e devem receber, além do salário, o generoso auxílio no valor de quase cinco salários mínimos.

De pouco serve alegar que o pagamento do auxílio-moradia está previsto na Lei Orgânica da Magistratura. De fato, o art. 65 prevê que, “além dos vencimentos, poderão ser outorgadas aos magistrados, nos termos da lei, as seguintes vantagens: (entre outras benesses) ajuda de custo, para moradia, nas localidades em que não houver residência oficial à disposição do magistrado”. Na versão original da lei, o auxílio-moradia não podia ser concedido aos juízes de comarcas das capitais. Mas a restrição foi retirada em dezembro de 1986, garantindo que todos os juízes tivessem a tranquilidade de contar com o auxílio-moradia. Além disso, como sempre acontece, o “poderão ser” tornou-se “serão”, graças à interpretação esperta da lei.

Ora, bem sabem os ministros do STF que o mero fato de algo estar disposto em determinada lei não torna essa disposição compatível com o ordenamento jurídico – e muito menos com a retidão moral que se espera dos intérpretes da lei. Não é necessária longa análise para atinar que o pagamento de auxílio-moradia, em caráter adicional ao valor do salário, fere os princípios constitucionais e morais, a começar por aquele que garante a igualdade de todos perante a lei.

Não pode a lei, à custa do contribuinte, fazer tamanha concessão a interesses de uma determinada categoria profissional. O STF existe justamente para garantir respeito aos princípios constitucionais e tirar do ordenamento jurídico as disposições legais que ferem a Constituição. No caso das liminares garantindo o auxílio-moradia aos juízes, ocorre precisamente o inverso, já que perpetuam um absurdo jurídico, com tão alto custo para o País – e ainda de forma monocrática.

Ao considerarem que o não pagamento do auxílio-moradia poderia gerar prejuízo irreparável aos juízes – e que, portanto, haveria motivo para conceder liminarmente o pagamento –, as decisões do ministro Fux, bem como a demora no julgamento de mérito da questão, mostram em toda sua crueza a dificuldade que tem a Justiça de se decidir se é uma instituição ou uma mera corporação. É de esperar que o plenário do STF, no cumprimento de sua função constitucional, não perpetue o privilégio corporativo e reconheça a inexistência de qualquer demérito para a função de magistrado pagar o aluguel com o próprio salário. Não caem os anéis, muito menos os dedos.