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O acordo contra o calote

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Por Redação
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A comemoração do acordo para evitar o calote do Tesouro americano, devedor de US$ 14,3 trilhões, acabou em poucas horas. O otimismo foi varrido por uma sucessão de notícias sobre desaceleração econômica na Europa e na China, desconfiança em relação aos bancos italianos e redução do índice de atividade da indústria dos Estados Unidos. Além disso, dúvidas sobre a aprovação do acordo sobre a dívida e o corte de gastos federais espalharam-se rapidamente. A extrema-direita republicana ainda poderia rebelar-se contra os líderes partidários e negar apoio ao plano acertado no domingo à noite com o governo. Ao fechar o acordo com a oposição, no domingo à noite, o presidente Barack Obama já dispunha pelo menos do esboço de um plano de contingência - uma seleção de credores preferenciais, para o caso de ser preciso adiar alguns pagamentos. Mas o governo teria de negociar até o último instante para evitar o calote e, se possível, afastar o risco de uma nova negociação em 2012, ano de eleição presidencial. O entendimento alcançado no domingo atendeu aos dois objetivos da Casa Branca. Concordou-se em ampliar o limite de endividamento com o acréscimo de US$ 2,1 trilhões. Esse número foi calculado para eliminar o problema até 2013, tornando dispensável uma nova discussão no período eleitoral. Como contrapartida foi combinado um programa de corte de gastos. Os dois lados concordaram em realizar um ajuste orçamentário de US$ 1 trilhão em 1o anos, por meio do corte de gastos discricionários, aplicados tanto aos programas da defesa quanto a outros itens. Além disso, resolveu-se formar um comitê bipartidário para estudar e propor um ajuste adicional de US$ 1,5 trilhão. Para essa parte da arrumação fiscal se concordou em discutir a redução de gastos sociais e uma reposição de impostos cortados por Bush. O acordo foi fechado no domingo à noite, portanto, sem solução para os pontos mais importantes das diferenças entre governo e oposição. Os dois lados aceitaram deixar para mais tarde questões politicamente cruciais, como a natureza dos cortes, o futuro de programas como os de ajuda a famílias pobres e a estudantes e a revisão dos impostos. O presidente Barack Obama gastou muita retórica nas últimas semanas defendendo a preservação de certos programas de interesse das classes média e pobre e a eliminação de benefícios fiscais a certos grupos de empresas, como as petrolíferas, e aos contribuintes de alta renda. Benefícios como esses, fortemente concentradores de renda e de riqueza, foram concedidos a partir do governo do presidente Ronald Reagan e ampliados, nas décadas seguintes, principalmente por iniciativa republicana. O assunto permanece aberto. De toda forma, no acordo de domingo à noite a oposição conseguiu pelo menos evitar qualquer menção a aumentos de encargos tributários para o grande capital e para o contribuinte rico. Objetivamente, a ala mais conservadora do Partido Republicano teria pouquíssimos motivos para se opor ao acordo. Ainda assim, houve quem criticasse o entendimento da noite anterior por ainda manter o "governo grande". Os democratas poderiam manifestar decepção pelo motivo oposto. Os dois lados haviam combinado elevar o teto da dívida e cortar despesas em 10 anos, mas haviam posto de lado uma questão essencial para a economia no curto prazo: a possibilidade de gastos adicionais, neste momento, para estimular a atividade e a criação de empregos. Sem esses gastos, a recuperação da economia americana, já muito lenta, será mais difícil neste e no próximo ano. Isso poderá custar muito, em termos políticos, para o presidente Barack Obama. Falta ver se ele ainda terá algum espaço para promover investimentos e outros gastos federais destinados a dar algum impulso aos negócios. Na falta de estímulos fiscais, o Federal Reserve, o banco central americano, provavelmente precisará intervir e promover mais uma rodada de afrouxamento monetário. Será a pior solução para o Brasil e outros países já inundados pelo excesso de dólares. Os congressistas teriam, se quisessem, muitos detalhes para ponderar no momento de votação do acordo do dia anterior.