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Opinião|O acordo nuclear com o Irã

Atualização:

O acordo nuclear firmado em julho por seis potências – Estados Unidos, Inglaterra, França, Rússia, China e Alemanha – e o Irã talvez seja o tratado mais importante assinado nos tempos modernos. Na semana passada, a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) comprovou que o Irã cumpriu todos os compromissos assumidos, o que levou ao término das sanções contra o país, como as restrições na exportação de petróleo, e à liberação de US$ 50 bilhões que estavam bloqueados.

O Irã assumiu a obrigação de suspender por 15 anos o seu programa nuclear com a redução do total de centrífugas e de seu estoque de urânio. O acordo, de 159 páginas, descreve minuciosamente as obrigações dos dois lados para a sua implementação. A União Europeia e os EUA manterão as restrições ao comércio de tecnologia relacionada à proliferação nuclear por oito anos, até a AIEA concluir que a atividade nuclear do Irã continua a ter fins pacíficos. Após dez anos, as restrições remanescentes da ONU a itens nucleares sensíveis deverão ser revogadas. Ficou acordado que as sanções serão renovadas se houver impasse em torno de uma nova decisão da AIEA sobre o descumprimento dos termos do acordo pelo Irã. O Irã poderá operar até 5.060 centrífugas de primeira geração, configuradas para enriquecer o urânio a 3,67%, bem abaixo do grau necessário para construir um artefato nuclear. Poderá ainda operar até mil centrífugas em sua instalação nuclear em Fordow, mas não poderá enriquecer urânio no local. Toda a cadeia de fornecimento do complexo nuclear iraniano estará sujeita a inspeções internacionais declaradas e não declaradas, pela aceitação do Protocolo Adicional ao Tratado de Não Proliferação, que, aliás, o Brasil se recusou a assinar.

Segundo o acordo, depois de 15 anos o Irã poderá produzir grande quantidade de urânio enriquecido para seus reatores usando centrífugas mais avançadas. Com o fim das sanções a economia iraniana poderá integrar-se aos fluxos de comércio global, sua capacidade de suportar eventuais sanções econômicas aumentará e sua capacidade militar estará mais protegida pelos sistemas de defesa que o Irã poderá comprar da Rússia. Não está clara a questão das inspeções e a regra de 24 dias para a solução de litígios caso o Irã se recuse a permitir inspeções em locais sob suspeita, diferentemente do que prevê o acordo, sobre acesso a qualquer lugar e a qualquer hora. A liberação de mais de US$ 50 bilhões bloqueados poderá ser utilizada para fortalecer a economia, mas também pode ser destinado à compra de armas para movimentos como o Hezbollah.

O Conselho de Segurança aprovou o acordo, assim como os demais países, à exceção dos EUA, cujo Congresso teve 60 dias para examiná-lo. Não sendo um tratado, mas um acordo executivo, o entendimento não será obrigatório nem para o Congresso nem para os futuros presidentes norte-americanos. Pela reação negativa do governo israelense e pelo poderoso lobby do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu junto aos congressistas em Washington, o clima político esquentou – até mesmo na atual campanha para as eleições presidenciais –, com os que apoiam o acordo sendo acusados de traidores da pátria e de apoiadores do holocausto, a ponto de instituições judaicas moderadas terem intervindo para pedir desculpas aos ofendidos. A perspectiva é de que o acordo seja rejeitado pela Câmara e pelo Senado, mas o presidente Barack Obama vetará a decisão do Congresso e deve manter o veto. Obama aproveitou o rápido fim do incidente com a apreensão de barcos americanos e a liberação de cinco prisioneiros há anos detidos pelas autoridades iranianas para defender o acordo que desanuviou o clima político entre Washington e Teerã.

No Oriente Médio, do ângulo geopolítico, o acordo possibilitou a insólita aproximação da Arábia Saudita com Israel em função do inimigo comum (o Irã) e da percepção de ambos da ameaça de um ataque nuclear, apesar do ceticismo da CIA e do próprio Mossad. A Arábia Saudita iniciou conversas com o Paquistão que poderão levar à cooperação na área nuclear. O Irã deverá assumir um papel mais ativo como a principal potência regional, acarretando o acirramento crescente do conflito sunitas-xiitas no Iraque, no Iêmen e na Síria. Aumentaram os desencontros entre Israel e EUA, acusados de ingenuidade ao liderar os esforços para concluir a negociação do acordo com o Irã, apesar das sucessivas declarações de manutenção e ampliação de apoio à segurança de Israel.

Do lado geoeconômico, o acordo vai permitir a modernização do setor de petróleo e, em médio prazo, o país voltará a ser uma força no mercado internacional de petróleo e gás. E possível prever uma produção de mais de 500 mil barris/dia, o que pressionará a continuada queda no preço do petróleo. Cotado abaixo de US$ 30, sobretudo pela recusa dos países árabes liderados pela Arábia Saudita de reduzir a produção para prejudicar o Irã e a Rússia, a queda já está afetando pesadamente países como a Venezuela e a Nigéria, o desenvolvimento econômico do óleo de xisto (shale oil) nos EUA e mesmo o pré-sal no Brasil.

A alternativa ao acordo – que se tornava cada vez mais real, pela atitude de desconfiança dos governos de Israel e da Arábia Saudita, por motivos distintos, quanto às intenções do programa nuclear iraniano – seria um ataque militar israelense contra as instalações nucleares do Irã, com consequências imprevisíveis para a estabilidade política e econômica na região e também global. Em 15 anos as condições serão outras, o Irã poderá ser um líder regional muito diferente, para o bem ou para o mal.

Fez bem o Itamaraty em comemorar a “vontade política, a persistência e a determinação das delegações” nos 20 meses de negociação e em buscar uma ampliação dos contatos econômicos e comerciais com o Irã.

* RUBENS BARBOSA É PRESIDENTE DO CONSELHO DE COMÉRCIO EXTERIOR DA FIESP

Opinião por RUBENS BARBOSA