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O arquivamento de inquéritos

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Por Redação
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Pressionados a cumprir a meta 2 da Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública (Enasp) - estabelecida em conjunto pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), Conselho Nacional de Justiça, Defensoria Pública, Ministério da Justiça e OAB -, que previa para este ano a conclusão dos 140 mil inquéritos sobre homicídios dolosos instaurados até dezembro de 2007, muitos promotores de Justiça optaram pela solução mais fácil. Em vez de sacudir a poeira de inquéritos que estavam esquecidos nos cartórios policiais, dando-lhes destino ou determinando novas diligências, os membros do Ministério Público determinaram o sumário arquivamento da grande maioria, para chegar a dezembro com as prateleiras vazias. Na pressa de mostrar serviço e reduzir a carga de trabalho, muitos promotores chegaram a utilizar um mesmo modelo de formulário, mudando apenas o nome das vítimas. Há, inclusive, casos de inquéritos que nem foram compulsados pelos promotores, para fundamentar a decisão pelo arquivamento. Com isso, laudos técnicos realizados por peritos dos Institutos Médicos Legais foram arquivados, provas coletadas pelos órgãos policiais foram descartadas, evidências foram ignoradas pelos promotores e muitos crimes antigos sem autoria definida deixaram de ser esclarecidos, reforçando com isso o sentimento de impunidade disseminado em amplos setores da sociedade. A estimativa é de que, em média, 80% dos inquéritos sobre homicídios dolosos foram arquivados sumariamente em todos os Ministérios Públicos estaduais. O maior número de arquivamentos ocorreu em Goiás, onde os promotores estaduais arquivaram 97% dos inquéritos. Em seguida vem o Estado do Rio de Janeiro, com 94% dos inquéritos arquivados. Em Pernambuco, o Ministério Público arquivou 85% dos inquéritos. Em São Paulo, foram arquivados 71% dos inquéritos. O menor porcentual foi registrado no Maranhão, onde, de cada 100 inquéritos, 86 resultaram em propositura de ação criminal, 13 foram arquivados e 1 ficou pendente. A Meta 2 da Enasp tem por objetivo coibir o homicídio, combater a impunidade, reforçar a segurança pública e reafirmar o primado do direito e da justiça. O arquivamento em massa dos inquéritos sobre homicídios dolosos instaurados até 2007, contudo, está mostrando uma outra realidade. Em sua grande maioria, esses inquéritos dizem respeito a vítimas que residiam em favelas e bairros violentos da periferia. Muitas tinham prontuário policial e vinham sendo ameaçadas por milícias e narcotraficantes. O arquivamento em massa dos inquéritos sobre homicídio doloso é, portanto, mais uma prova da desigualdade no tratamento dado aos mortos pobres. Para os especialistas, a questão é ainda mais grave. Levantamento do Núcleo de Estudos da Violência da USP revela que cerca de 40% dos assassinatos comunicados às delegacias paulistas nem mesmo se convertem em inquérito. E também nesses casos as vítimas moravam em favelas e bairros da periferia. "A Justiça não é igual para todos e as pessoas ficam descrentes", diz o sociólogo Sérgio Adorno. "O arquivamento revela a deficiência do modelo de investigação", afirma Renato Sérgio de Lima, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, depois de criticar o arquivamento indiscriminado dos inquéritos. Em resposta às críticas, o procurador-geral da República e chefe do CNMP, Roberto Gurgel, atribuiu o problema aos gargalos da Justiça, mas reconheceu que os índices de arquivamento de inquéritos em alguns Estados são altos e defendeu a aplicação de sanções nos casos em que houve abuso por parte dos promotores. No Rio de Janeiro, o procurador-geral de Justiça, Cláudio Lopes, anunciou que irá avaliar se houve erros nos pedidos de arquivamento de casos de homicídio e adotar as medidas disciplinares. Evidentemente, Gurgel e Lopes estão cumprindo seu papel, defendendo o Ministério Público. Mas o balanço da Meta 2 deixa claro que, pelo menos até o momento, muitos promotores de Justiça não estão preocupados em reduzir o alto número de assassinatos não esclarecidos.