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O autocrata e o magnata

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Por Redação
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Em toda parte, a imprensa destacou a intenção do bilionário russo Mikhail Prokhorov - o quarto homem mais rico do país, com uma fortuna avaliada em US$ 18 bilhões - de se candidatar a presidente da Federação Russa nas eleições de março próximo, enfrentando o atual primeiro-ministro Vladimir Putin. O autocrata governa a Rússia, de direito ou de fato, desde 2000. Pretende voltar à presidência por um período de seis anos e se reeleger para um segundo mandato de igual duração. Mas a notícia vinda de Moscou, que espelha verdadeiramente a vida política na ex-União Soviética, foi um comentário do porta-voz de Putin, Dmitri Peskov.Ele falava da agitação em torno das eleições parlamentares do penúltimo domingo, repletas de fraudes testemunhadas por observadores estrangeiros e registradas em vídeos por inumeráveis eleitores. A fraude, tosca e descarada, não impediu que o partido do governo, Rússia Unida, sofresse enorme perda de votos. A lista encabeçada pelo atual presidente e pau-mandado de Putin, Dmitri Medvedev, obteve 49,5% da votação, ante 64% no pleito de 2007. A legenda perdeu 77 cadeiras, ficando com 238 das 450 que formam a Duma, a Câmara Baixa do país. A eleição "não foi livre nem justa", resumiu a secretária de Estado americana Hillary Clinton, enfurecendo o primeiro-ministro, que a acusou de incitar os protestos de rua pela anulação do pleito - os maiores, mais insistentes e disseminados da repressiva era Putin.Depois de Medvedev prometer uma investigação sobre as denúncias, o porta-voz Peskov recolocou as coisas nos seus devidos lugares. Textualmente: "Mesmo se, hipoteticamente, todos os casos das supostas violações forem levados à Justiça, isso de modo algum afetará a legitimidade das eleições". É a natureza autoritária da pseudodemocracia russa, com a intimidação dos críticos, o controle total da TV, os bloqueios da internet e a subordinação do Judiciário ao Kremlin. Mas Peskov não deve ter usado o termo "legitimidade" à toa. É do que Putin passou a precisar acima de tudo, mais até do que apenas se eleger (o que ainda parece quase certo) para que o pleito não seja desmoralizado.É onde pode ser que se encaixe a hipotética candidatura de Prokhorov, o magnata da mineração e das finanças, cujo vasto patrimônio inclui um time de basquete da primeira divisão dos EUA. (Outro nababo russo, Roman Abramovich, é dono do Chelsea, de Londres.) Prokhorov, que necessita do apoio de 2 milhões de eleitores para obter o registro de candidato independente, se apresenta menos como um crítico de Putin do que como um defensor da classe média. Diz que se afastou do seu partido, Causa Justa, depois que este se tornou linha auxiliar do governo. Na realidade, a legenda foi criada com a anuência tácita de Putin, e as divergências entre eles parecem circunstanciais. Analistas russos são céticos sobre a autonomia de Prokhorov. "A sua tarefa é ajudar Putin a se eleger (dividindo a oposição e legitimando a disputa)", acredita o ex-vice-premiê Boris Nemtsov. "Um bilionário jamais assumiria um risco desses se não tivesse um acerto com Putin." O último grande "oligarca" que o afrontou, querendo entrar para a política, Mikhail Khodorkovski, da empresa petrolífera Yukos, então o homem mais rico da Rússia, cumpre pena de 13 anos de prisão por "sonegação fiscal". Não seria por isso que o povo desgostaria de Putin. Segundo uma pesquisa recente, cerca de 60% dos russos preferem um "líder forte" a um governo autenticamente democrático (alternativa escolhida por apenas 30%). E metade acha que o fim da URSS foi "um grande infortúnio".Putin caiu em relativa desgraça quando, ao anunciar a sua candidatura presidencial em setembro, revelou que "anos atrás" ele e Medvedev tinham combinado se revezar novamente na chefia do Estado e do governo. Contra o pano de fundo da perda de poder aquisitivo dos salários, a manipulação confessada por Putin atingiu duramente a sua popularidade. O desconforto com a economia, enfim, se voltou contra a corrupta elite do poder - "um bando de ladrões e escroques", na expressão corrente.