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O BC no jogo do consumo

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Por Redação
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Com mais uma rodada de estímulo ao consumo, o governo tentará garantir um pouco mais de atividade neste semestre e atenuar o desastre econômico do ano. O primeiro semestre foi perdido, a produção industrial continua em marcha lenta e a confiança do empresário do setor permanece muito baixa, segundo informou nesta semana a Confederação Nacional da Indústria (CNI). Se o novo lance der muito certo, ainda poderá produzir algum efeito benéfico no começo de 2015, nos primeiros meses do governo recém-eleito. Nesse caso, os dirigentes do setor automobilístico, o mais beneficiado pelas novas medidas, terão um bom réveillon e um bom ano-novo e o governo terá, mais uma vez, demonstrado um carinho especial pela indústria de veículos.A nova tentativa coube ao Banco Central (BC). Não se mexe nos juros básicos da economia, mantidos em 11%, e com isso a autoridade monetária continua fazendo cara feia para a inflação. Mas o crédito será relaxado por outro meio. Os bancos poderão diminuir o recolhimento compulsório sobre os depósitos a prazo e dispor de mais R$ 10 bilhões para empréstimos. Em julho o BC já havia facilitado a liberação de R$ 30 bilhões, ao iniciar o afrouxamento dos compulsórios sobre contas à vista e a prazo.A mudança no recolhimento anunciada na quarta-feira beneficia especialmente os negócios do setor automobilístico e da indústria de motocicletas, além de favorecer os empréstimos consignados. Para aproveitar plenamente as novas facilidades, os bancos terão de aumentar em 20% o saldo das operações com veículos, acentuou em entrevista o chefe do Departamento de Operações Bancárias do BC, Daso Coimbra. Dificilmente se poderia pensar em um benefício financeiro carimbado com maior clareza.No mesmo dia o BC anunciou uma redução de R$ 15 bilhões do capital mínimo exigido para certas operações bancárias. Esse novo corte é somado ao de R$ 10 bilhões concedido em julho. Os bancos poderão adicionar aos empréstimos cerca de R$ 225 bilhões, nove vezes o valor subtraído do capital mínimo exigido pelas normas de segurança financeira.Com essas medidas, a autoridade monetária avança no desmonte da política prudencial adotada em 2010. Naquele ano a economia cresceu 7,5% e a inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) chegou a 5,91%.Nos anos seguintes o quadro só mudou em parte. Em 2011 o Produto Interno Bruto (PIB) aumentou só 2,7%. A expansão ficou em 1% em 2012 e em 2,5% em 2o13. Neste ano, a atividade econômica foi muito fraca no primeiro semestre - os números gerais devem ser divulgados no fim do mês - e os sinais de estagnação da indústria persistem. A economia se enfraqueceu, mas a inflação continuou elevada. Bateu em 6,5% em 2011, recuou ligeiramente, para 5,84%, em 2012, e alcançou novamente 5,91% em 2013. Neste ano, o acumulado em 12 meses continua muito perto de 6,5%, limite da margem de tolerância, apesar do recuo das taxas mensais na passagem do primeiro para o segundo semestre. Mas economistas do setor privado continuam prevendo um repique e uma taxa acumulada, em dezembro, ainda na vizinhança de 6%.O governo continua gastando muito, os aumentos salariais permanecem acima dos ganhos de produtividade e ainda será preciso ajustar, neste ano ou no próximo, preços contidos de forma voluntarista pelo governo. Ao ampliar o crédito aos consumidores, o BC assume, portanto, o risco de jogar mais combustível na inflação. Dirigentes da instituição têm negado esse perigo, como se a manutenção dos juros em 11% bastasse para frear a alta de preços e levar a inflação a 4,5%, a meta, nos próximos anos. Mas por que os preços seriam imunes a um novo estímulo ao consumo?Além do mais, incentivos ao consumo vigoram há anos e a economia permanece emperrada. Aos empresários falta confiança para investir e elevar a produtividade das empresas. Ao governo falta competência para realizar seus projetos e programas. Crédito mais fácil em véspera de eleição nunca resolveu problemas como esses.