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Opinião|O Brasil e os acordos comerciais

Pragmaticamente, o governo deve persistir no esforço de ampliar o leque de negociações

Atualização:

O governo Temer anunciou uma nova política no tocante à negociação de acordos de livre-comércio. Nos últimos 13 anos o Brasil ficou isolado das negociações comerciais, havendo firmado acordos apenas com Israel, Egito e Autoridade Palestina, enquanto o restante do mundo negociou mais de 400, segundo informações da Organização Mundial do Comércio (OMC).

No último dia 10 foram retomadas as negociações entre o Mercosul e a União Europeia. E o Itamaraty pretende avançar em novas frentes com a Efta, o Canadá e a Índia, mesmo que para isso seja necessário flexibilizar as regras do Mercosul. Anuncia-se que a China está propondo um acordo de livre- comércio entre os países-membros do Brics, mas o Brasil mantém reservas quanto a essa possibilidade. E agora o Uruguai quer negociar bilateralmente com a China, ameaçando o Mercosul.

Os acordos comerciais, por si sós, não resolvem a questão da expansão das exportações brasileiras, que em 2016 deverão ficar abaixo do nível de 2011. Mas são um dos instrumentos mais importantes para permitir a inserção competitiva dos produtos nacionais nos fluxos dinâmicos do comércio internacional.

Na realidade, o Brasil foi apanhado no contrapé. Quando resolveu abrir-se para as negociações, o cenário internacional mudou e as tratativas para novos acordos ficaram mais difíceis e problemáticas e não se vislumbram perspectivas de arranjos multilaterais na OMC.

As economias desenvolvidas crescem a taxas muito baixas, as economias emergentes desaceleraram, o comércio internacional pelo terceiro ano aumenta ao redor de 2,5% abaixo do crescimento da economia global e o desemprego na Europa atinge níveis altíssimos. Por tudo isso, a classe política nos EUA – durante as eleições presidenciais – e na Europa se manifesta contra esses acordos, em especial o da Ásia-Pacífico com os EUA e o Japão e o dos EUA com a Europa. A percepção de que há um movimento na direção da desglobalização, embora equivocada, aumenta e a OMC ficou marginalizada nos entendimentos desses acordos e na definição das normas que os regulam. A reação contrária à globalização não se limita às questões econômicas, pois está criando condições para a emergência de forças nacionalistas e protecionistas. Em junho a OMC anunciou que, entre 2011 e 2016, o número de medidas protecionistas criadas pelos países do G-20 aumentou quatro vezes. Somente entre outubro de 2015 e meados de 2016 foram criadas cerca de 150 medidas que restringem o comércio, sobretudo as antidumping nas áreas de siderurgia, subsídios a infraestrutura, agricultura e empresas exportadoras. Das mais de 2 mil barreiras criadas pelas 20 maiores economias do mundo entre 2007 e 2009, em caráter emergencial, para fazer frente à crise financeira, cerca de dois terços continuam em vigor.

Nesse contexto, podem ser entendidas as recentes declarações de ministro português de que é preciso “fazer força” para concluir o acordo do Mercosul com a União Europeia antes que o ambiente político barre acordos de livre-comércio e haja crescentes tensões que possam pôr em risco a finalização dos entendimentos: “A janela de oportunidade não é muito longa para alcançar o acordo”. Nas negociações recentes do Mercosul com a União Europeia, reconhecendo essas dificuldades, ambas as partes, conforme se anunciou, decidiram fazer reuniões bilaterais informais “por fora” para tentar um avanço nos entendimentos em regras e em acesso a produtos dos dois lados.

O governo brasileiro, pragmaticamente, deve persistir no esforço de ampliar o leque de negociações comerciais, em especial com os nossos vizinhos sul-americanos, visando a chegar a uma área de livre-comércio na região em 2019. Em vista do quadro global, contudo, deve adotar uma atitude realista e assumir que vai haver crescente dificuldade de fechar novos acordos comerciais com parceiros relevantes fora do continente sul-americano. Minha percepção é de que dificilmente o acordo Mercosul-União Europeia será aprovado durante o atual governo.

Por outro lado, parte do empresariado e de líderes políticos resiste a uma atitude mais aberta em relação aos acordos por temerem efeitos negativos em vista da perda de competitividade dos produtos de exportação, como evidenciado nos resultados da balança de comércio dos últimos anos.

Apesar desse quadro negativo para o comércio exterior, seria importante discutir uma nova agenda que inclua modificações nas leis e nos regulamentos para reduzir o custo Brasil ao redor de 30%, segundo estudo recente da Fiesp. E também que possa ser mantido um câmbio competitivo, como fazem a China e os países europeus.

Paralelamente a essa agenda – de responsabilidade do governo –, o setor privado deveria informar-se melhor sobre o que acontece no mundo. Como a chamada metarregulamentação passou a afetar os acordos de comércio e, nesse sentido, procurar informações acerca do acordo da Ásia com os EUA e o Japão e mais dez países do Pacífico, incluídos três latino-americanos, México, Chile e Peru. De última geração, esse acordo será modelo a partir de agora para os próximos acordos comerciais, que incluirão não só a desgravação tarifária, mas também regras que vão além dos entendimentos multilaterais da OMC e incidem sobre políticas internas dos países. Estudos preparados pela FGV-Fiesp mostram que a quase totalidade delas é compatível com o regime jurídico nacional, à exceção de alguns aspectos das regras de investimento e de propriedade intelectual, que teriam de se ajustar ao nosso ordenamento jurídico.

Não podemos fechar os olhos para o que está acontecendo no mundo, nem fazer como os governos lulopetistas, que ignoraram o ensinamento do presidente da China, Xi Jinping, de que “a abertura gera progresso e o isolamento leva ao atraso”.

*Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior