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Opinião|O Brasil visto de fora

Atualização:

Acabo de voltar do exterior. A sensação é de déjà vu, de um passado distante. Explicar o Brasil voltou a ser complexo. "Li sobre as denúncias, passeatas, déficits e crises; o que acontece no Brasil?", perguntou-me um investidor estrangeiro. A resposta inevitavelmente tende a ser longa e começaria com um "veja bem". Mas faço um esforço para resumir. Foi um ciclo favorável, não investimos o suficiente e não reconhecemos seu fim a tempo. Insistimos em voltar ao passado, a ponto de precisarmos ajustar tudo simultaneamente no presente para evitar uma crise maior no futuro. Porém nada é estanque: com a depreciação recente do real, já há investidor externo de olho em oportunidades. A bolsa subiu nos últimos dias por causa disso.Todas as economias da América Latina - desde Argentina e Venezuela até Chile e Peru - estão enfrentando queda de crescimento. Sinal de um fator comum: o fim do ciclo externo favorável - boom de commodities e crescimento na China, capital abundante no mundo. Até denúncias e investigações estão ocorrendo em outros países, como México e Chile, o que indica que a tolerância a desvios é também cíclica.A desaceleração é geral, mas não igual. A intensidade da desaceleração econômica depende das políticas domésticas. Algumas políticas amplificam os choques externos, outras criam resiliência. Há exemplos de ambas na América Latina. Na Argentina a economia está no seu segundo ano de recessão, enquanto na Colômbia o crescimento ainda é razoável (acima de 3%).Não vejo perspectiva realista de recuperação robusta dos preços das commodities. Quando os preços das commodities são analisados desde 1913 em termos reais (isto é, preços em dólar deflacionados pela inflação nos EUA), observa-se uma tendência lenta e persistente de declínio (ver Macro Visão: Declínio secular das commodities, de volta à tendência? em bit.ly/declinio_commodities).O ciclo recente de forte alta dos preços iniciado em 2002 (associado ao crescimento da China) foi precedido de três ciclos: o primeiro, entre 1915 e 1919, associado à 1.ª Guerra Mundial; o segundo coincidindo com a 2.ª Guerra Mundial e a reconstrução da Europa no pós-guerra; e o terceiro começando com a elevação dos preços do petróleo em 1973 e continuando com o repasse de custos maiores de energia às demais commodities. A queda recente dos preços entre 2011 e 2014 apenas os trouxe de volta à tendência de longo prazo. Os preços não estão deprimidos sob uma perspectiva histórica e, portanto, não é de esperar um retorno rápido. Na realidade, os ciclos de alta anteriores foram sucedidos por undershootings, preços caindo para abaixo da tendência, por um tempo.O declínio secular é concentrado nos preços das commodities agrícolas, mas os preços dos manufaturados também caíram em termos reais. A queda de ambos é em relação aos preços de serviços, que têm subido em termos reais.As perspectivas, portanto, são de crescimento menor na América Latina, afetado pelo preço dessas commodities. É claro que a perspectiva de recuperação global, devida à retomada do crescimento nos EUA, ajuda. Mas para um patamar menor que o projetado antes da crise.No Brasil estamos em plena temporada de ajustes. Identificamos ao menos cinco relevantes em curso: fiscal, parafiscal, realismo tarifário, balança de pagamentos e meta de inflação.O ajuste fiscal são as metas de superávit primário (de -0,6% para 1,2% do PIB) e da dinâmica da dívida pública. É o principal ajuste para reconquistar a credibilidade e permitir a recuperação da economia. O ajuste parafiscal refere-se aos gastos (ou crédito) fora do Orçamento (fora da meta de superávit primário), mas que são parte do esforço de recuperação da responsabilidade fiscal.O realismo tarifário é o ajuste dos preços administrados (gasolina, eletricidade, etc.) que ficaram defasados nos últimos anos. O ajuste na balança de pagamentos é o esforço de redução do déficit em conta corrente (de 4% para menos 2,5% do PIB). O fim do programa de intervenção diária de venda de swap e a forte depreciação (de R$ 2,65 por dólar no começo do ano para R$ 3,1 por dólar) fazem parte desse ajuste. O último ajuste é a busca do centro da meta de inflação de 4,5%, a partir de uma inflação acima de 8% este ano.É muito ajuste de uma só vez. Cada ajuste é custoso e, portanto, desafiador. A implementação dos vários ajustes simultaneamente é ainda mais difícil. Mas os ajustes (pelo menos o fiscal e o parafiscal) são necessários para a retomada da confiança no curto prazo e a recuperação do crescimento. Perseverar é fundamental para avançar.Mas mesmo implementados, os ajustes são "apenas" reparos, que recuperam as disciplinas fiscal, parafiscal, monetária, cambial e de preços administrados, e não reformas propriamente ditas. As reformas, como a tributária, a previdenciária, a do comércio exterior e a da educação (ou, simplesmente, muitas pequenas medidas que facilitariam a vida), são as que alavancam o crescimento via aumento da produtividade. Fica difícil imaginar, na atual situação, capacidade para implementar os ajustes e as reformas ao mesmo tempo.Mas os ajustes têm seu efeito. À medida que o pior cenário ficar mais distante, os preços mais depreciados (taxa de câmbio e outros ativos) devem voltar a atrair interesse em investir no Brasil.Não é necessário (nos atuais preços) ter grandes anúncios, por não serem esperados. Basta evitar a perda do grau de investimento pelo Brasil e o descontrole (econômico, político, etc.). Na ausência de estabilidade e sob o risco do pior cenário, os atuais preços não atraíram interessados, com receio de perdas de capital (no jargão dos investidores, "os preços ficarão ainda mais baratos").O mundo observa-nos como num reality show, mas está preocupado com o outro BBB: o da classificação de risco do Brasil. Não haverá volta dos investidores de forma permanente sem a implementação dos ajustes ora em curso.ECONOMISTA-CHEFE E SÓCIO DO ITAÚ UNIBANCO

Opinião por Ilan Goldfajn